14 ✧ BONANÇA
Fiquei por mais uns dias na Base. Após o
acontecimento envolvendo a morte de Sky, depois de umas horas conseguimos nos
mover. O eclipse tinha acabado e a iluminação voltou ao normal, menos ela.
Chloe ficou um dia e meio sem dizer uma palavra. Brandon e eu tentamos arrumar
a Base, mas não conseguimos.
Andávamos pelos corredores sem dizer uma
palavra. A única ideia que tivemos foi de convocar as plêiades para levar os
corpos dos mortos que ficaram jogados pela Lua. Elas se recusaram a levar todos
os corpos de vez, mas acabaram aceitando depois que Brandon informou que todos
os habitantes de Plutão mortos depois da destruição do Planeta não precisariam
da ajuda delas.
Limpamos o chão dos corredores, os vidros das
lâmpadas quebradas e as portas de metais que Chloe havia explodido quando
chegamos naquele dia, estava tudo quase voltando ao normal, quase.
A primeira vez que Chloe disse algo foi enquanto
mexíamos em uma fiação estranha que tinha se soltado da parede.
– Venham comer! – ela gritou.
Sentamo-nos à mesa transparente que Brandon e eu
tentamos consertar, não ficou totalmente boa, porém conseguimos nos apoiar sem
quebra-la novamente.
Foi naquele momento que conseguimos contar tudo
o que tinha acontecido depois que nos separamos. Eu contei para Brandon o nós
fizemos antes que ele aparecesse e assim ele também fez.
– Depois que eu pedi para vocês irem, fiquei por
uns minutos segurando na base do banco esperando minha morte, sim, eu achei que
iria morrer. Porém vi sua bandeira e fui me arrastando até tocá-la. Mas e o
medo de largar o banco e descer direto para as águas violentas que estavam
destruindo o metal? Eu tinha feito o teste, tentando por a água no recipiente
de metal que continha água e o metal tinha derretido, mas no plástico não. Se o
metal estava sendo derretido com aquilo, imagina meu corpo! Mas consegui
acumular coragem e com um pulo encostei-me à bandeira, ela simplesmente se
fragilizou e a nave caiu nas águas, as duas partes. Sim, perdemos tudo. Eu
rezei a Plutão para não morrer, e dito e feito. Sua pulseira me transformou em
um plástico ambulante. Meu corpo ficou totalmente coberto de plástico, eu
estava parecendo uma garrafa. Assim flutuei pelas águas e cheguei à margem
junto com a garrafa que tinha enchido. Vi o prédio e vim correndo. Vi vários
corpos e o corredor cheio de destroços e percebi que não estava acontecendo
algo legal, entrei aqui e vi tudo escuro e consegui ver tudo perfeitamente. Uma
das vantagens de morar em Plutão. Ataquei a única pessoa que era estranha no
momento e ao menos acertei né?
E assim ficamos ali sentados comendo comida
espacial dentro de embalagens de pasta de dente.
Depois de algumas horas, resolvemos arrumar o
local.
– Eu vou arrumar a maquete que destruí – sugeri
e os dois riram, eu havia arruinado Saturno e seus anéis.
Levamos um tempo para arrumar tudo. Coloquei os
planetas em ordem, porém não mais no teto, Chloe disse que não podíamos por
mais os planetas no centro de tudo, não mais. Os planetas ficaram rodeados no
puff onde eu sentei pela primeira vez que estive aqui e Haro e Herbig. Agora,
os dois estavam mortos.
Comecei a pensar na quantidade de pessoas que
morreram nesta jornada, Haro, Herbig, Sky, Austin, alguns habitantes da Lua, e
a população de Plutão. Se fosse para continuar assim, não queria nunca mais
voltar.
Mas no fundo eu sentia a obrigação de que o
Universo estava errado, que algo estava totalmente estranho e que era eu que
era o responsável por isso.
Balancei a cabeça tentando me livrar destes
pensamentos e me concentrei no momento. Estávamos arrumando tudo, alegres por
fora e abalados por dentro.
Por um momento pensei no que eu iria fazer
agora. Voltar para casa? Continuar aqui? Acho que não tinha pensado no que
fazia depois dessa jornada. Eu tinha avisado minha mãe, mas ela respondeu tão
secamente que eu não considerei como mensagem passada.
– Gente! – Chloe disse e nós dois olhamos para
ela ao mesmo tempo, ela suspirou antes de abrir a boca novamente – Precisamos
organizar tudo.
Após arrumarmos a Base ela ficou apresentável.
Não do jeito que vi antes, mas não havia mais corpos, vidros, lâmpadas
quebradas, mesas e computadores com fios soltos. Estava normal.
Chloe trouxe um quadro como os que os
professores escreviam na escola, eu e Brandon nos sentamos em puffs prateados e ficamos de frente ao
quadro e a Chloe. Ela pegou uma caneta e ao apertar o botão, o bico brilhou
vermelho. Laser.
Ela desenhou rapidamente o sistema solar. Ela
era destra, eu também. O sol no meio e os planetas. Mercúrio, Vênus, Terra,
Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno. Do lado esquerdo, colocou o nome Deimos
e Imperador, lado a lado e escreveu Perigo
em cima dos nomes.
– Este é o sistema solar, ou sei lá, era – ela
começou – Deimos veio de Marte, então irei por este em zona de perigo também.
Ela circulou marte com outra caneta laser de cor
azul.
– O imperador, sabemos que é de outra galáxia,
Andrômeda para ser mais direta – disse ela escrevendo o nome no quadro – Outro
inimigo.
– Plutão foi dizimado – ela disse, e anotou:
sem plutão no quadro.
Brandon assentiu e pigarreou.
– Mais alguma informação? – perguntou.
– Creio que não – eu disse olhando para Brandon.
– Não – ele confirmou.
– Então acabamos nossa jornada – ela finalizou.
Houve um dia que Chloe nos levou para a
superfície da Lua e nos fez deitar em um pano. Deitamo-nos nós três e ela
parecia muito animada. Era melhor vê-la desta maneira do que triste.
– Vocês vão amar! – ela dizia batendo palmas.
Depois de uns minutos, um ponto branco surgiu no
céu estrelado. Se mexeu rapidamente e desapareceu. Um meteoro.
– Lirídeas? – sugeriu Brandon.
– Exatamente.
Mais meteoros surgiram no céu. Em cima de nós
eles passavam com toda a rapidez e graciosidade do Universo. Quando sumiam,
deixavam um lindo rastro por onde haviam passado: um rastro azul.
Chloe suspirava cada vez que via um meteoro e
Brandon estava animado. Era muito lindo de se ver o céu da Lua, no fundo, eu
via a Terra, vários satélites não naturais e infelizmente muito lixo espacial.
Aquilo doeu meu coração.
– Isso é ruim demais? – eu perguntei.
– Os detritos? Sim, é pior do que você imagina
–respondeu Chloe.
– São vários pedaços de satélites desativados
que os humanos mandam para o céu só para nos vigiar. O propósito inicial é de
transmitir sinal, mas é tudo mentira – disse Brandon.
– Não tem como destruir tudo isso não? – falei.
– Você realmente não os conhece – disse Chloe.
E continuamos deitados na superfície
aproveitando a chuva de meteoros e fingindo ignorar a poluição cósmica que
estava logo a nossa frente.
No
outro dia, Brandon teve de ir procurar por seu pai. Acompanhamos ele até o
hangar e um veículo que só cabia uma pessoa (como uma moto espacial) estava
disponível.
Houve uma sessão de abraços e nos despedimos.
– Você vai voltar? – perguntei.
– Você vai voltar? – ele respondeu com uma
pergunta.
Rimos.
Apertamos as mãos e antes de ele entrar no
veículo ele voltou e disse:
– Muito obrigado, Chloe, devo uma a você.
– De nada – a voz dela soou tímida e frágil.
Ele entrou no veículo e acelerou. Em questão de
segundos bateu na parede, mas depois desviou e tomou rumo.
– Ele pilota muito mal – confessou Chloe e
rimos.
Voltamos
para dentro da Base e Chloe pediu para que eu a seguisse. Assim eu fiz. Viramos
alguns corredores, e entramos em uma sala que dizia: biblioteca.
As prateleiras metálicas carregavam vários
livros que brilhavam. Os livros do Universo não eram nada parecidos com os da
Terra. Normalmente as bibliotecas eram recheadas de livros antigos com capas de
cores mortas e poeira, mas aqui não, todos os livros eram de metais, lustrados
e muito bonitos.
Menos um.
Ele tinha a cor diferente dos demais. Era preto.
Aproximei-me e Chloe não disse nada. Tirei ele da prateleira e senti algo
diferente dentro de mim. Era desse livro que todos falavam.
Abri e li a primeira página.
“Extraído
da estrela Sirius
James
Allister, 1014”
Eu tremi.
Larguei o livro no chão e olhei para Chloe.
James Allister. Descendente de Júpiter. Com o mesmo sobrenome que o meu.
A voz de Brandon ecoou em minha mente em alerta.
– James, o
descendente de Júpiter, procurou por toda a galáxia uma estrela especial, uma
que sabia o futuro, e ao achar, sugou todo o conhecimento que possuía e
escreveu tudo em diários, cadernos, papéis. Dizem que citava um novo
descendente que viria de um Planeta muito desenvolvido e que ele iria varrer o
Universo com suas próprias escolhas.
Chloe me fitava estudando a minha reação. Ela
sabia.
– Você não tinha dito que isto tinha sido
queimado? – perguntei.
– Não posso mentir não?
Como isso era possível? Mil anos depois um novo
descendente ser chamado com o mesmo sobrenome do antigo. Senti novamente
agulhas geladas picando minha nuca.
– Qual sua opinião sobre isso? – ela perguntou.
Comprimi os lábios.
– Assustador.
Abri o livro em uma página qualquer. E
realmente, eles não tinham mentido quando tinham dito sobre códigos. Páginas e
mais páginas estavam codificadas com símbolos que eu nunca tinha visto na vida.
Mas umas estavam normais, escritas em português.
“Primeira Jornada da Última Geração
Observei que ele, Sirius, contou muito pouco
sobre ela. Localizei pontos escuros nesta jornada, o que significa mortes,
muitas mortes, e um ponto mais escuro ainda. Irá acontecer algo muito ruim. O
inimigo está próximo, repetia Sirius todas as horas e tive a obrigação de por
aqui. No fim, não espere que tudo tenha acabado. Não espere paz. Não espere as
páginas se decodificarem sozinhas, corra atrás.
James Allister, 1014, 03/05/1014”
Chloe ficou atônita e quis ler. Ela leu e olhou
para mim com os olhos arregalados.
– Peter, isso é muita coincidência – disse com
toda a sinceridade do Universo.
– É... – concluí – Mas o que podemos fazer
quanto a isso?
– Nada – ela respondeu.
Saímos da biblioteca atordoados e resolvi que
era a hora de ir embora. Disse isso a Chloe e seus olhos quase marejaram. Eu
estava deixando-a sozinha. Ela cruzou os braços e contei a ela sobre minha mãe
e principalmente a escola. Ela ficou com dúvida, mas no fim, cedeu.
A porta dupla de metal se abriu e dei olá para o
solo lunar novamente. Tateei em meu bolso meu celular e segurei com muita
força. Uma parte de mim queria voltar o mais rápido possível, mas a outra
queria que eu continuasse ali, com Chloe. Mas acho que a saudade de casa estava
me corroendo por dentro.
– Chloe – chamei – Será que Austin realmente...
Hum... Ahn... – gaguejei.
– Sim – ela disse, abalada.
Fiquei pálido. De todos os seres que tinha
conhecido nesta jornada, Austin foi o mais especial. Ele nos salvou na prisão
em Mercúrio, teve a ousadia de vir escondido em nosso ônibus espacial. Ele era
engraçado e querido. Dava para perceber em Chloe o quanto ela sentia falta de
Austin, talvez até mais do que de Sky.
– Desculpa pelo o que ocorreu em Plutão – ela disse
– De novo...
– Tudo bem – eu falei.
– É que realmente, eu já gostei dele. Mas não
posso ter sentimentos. Não sou humana e nem quero ser...
Assenti mesmo sabendo que era mentira o que ela
estava dizendo. Não tínhamos como negar que éramos todos feitos de sentimentos
e de poeira estelar.
– Chloe – chamei novamente – Por que você não
vem comigo?
– Eu não posso, você sabe.
Hesitei.
– Acho que é a hora de eu ir – eu disse.
Me aproximei de Chloe e abracei-a. Não do jeito
que abracei após a morte de Sky, mas de um jeito diferente, agora realmente com
sentimentos.
Desbloqueei o celular e abri o discador enquanto
ela estava andando para a Base novamente.
– Chloe? Ahn? O código? – perguntei.
Ela se virou e colocou a mão na testa.
– Você nos salva várias vezes e destrói um
planeta e não sabe como voltar para a Terra? *01#
– O.K., Qualquer coisa me chama, estou sempre
sem fazer nada.
Na verdade eu sabia o código. Só queria ouvir
sua voz novamente.
E digitei o código e liguei, fechando os olhos.
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