11 ✧ UM ENCONTRO
INESPERADO
Eu não estava molhado. Nem na água estava. Abri
os olhos e pisquei algumas vezes para acostumar com a clareza do local. Tremi
por um momento pensando na ideia de estar morto, pois tinha certeza que tinha
caído na água quando o gazebo virou.
O suor brotava em minha testa e estava descendo
pelas minhas costas, eu procurava algo para tentar entender onde eu estava, mas
nenhum sinal. Nada.
As paredes eram brancas, as lâmpadas claras
também e minhas roupas estavam às mesmas, porém limpas e sem nenhum rasgado.
Uma agonia surgiu em meu peito, eu não sabia o
que fazer, o que falar, a quem procurar, não sabia onde estava, só sabia quem
eu era, mas isso não era nada importante.
Peter Allister, descendente da Terra, que
importância teria agora? Eu tinha caído em uma armadilha, tinha largado meus
amigos e tinha dizimado uma população e destruído um Planeta por completo. Tudo
por minha culpa.
Sentei no chão e coloquei a mão nos cabelos e
baguncei-os por um momento. A vontade de chorar veio, porém não havia lágrimas
o suficiente para isso. Engoli o choro forçado e tentei entender o que estava
acontecendo. Austin, Chloe e Brandon deveriam estar mortos neste momento depois
da explosão com o meteoro com anéis que Deimos tinha enviado.
Deimos.
Esse nome me trouxe uma raiva interna e tive
vontade de socar o chão. Eu realmente fui muito burro de não ter percebido nada
estanho nele e mais burro ainda para acreditar que estava tudo bem. Todos nós erramos.
Agora tudo fazia sentido.
Fechei os olhos e revivi todo o horror de ver
Plutão sendo destruído. As ruínas, os nativos azuis mortos no chão, os guardas
guerreiros tentando atirar no meteoro em cima de Caronte e o próprio Plutão,
que havia desaparecido.
Muitas dúvidas surgiram em minha mente. Onde
Austin estava? Sua família havia o pego? Chloe e Brandon se salvaram? O que
aconteceu com o Planeta? Estou morto ou não?
Agulhas geladas picaram minha nuca em câmera
lenta quando ouvi uma voz diferente, ecoada, pesada, e antiga, acelerando meu
coração.
– Não, não está.
Virei rapidamente e vi um homem ao meu lado. Ele
parecia velho, mas seu cabelo era prateado como a maioria das pessoas que
conheci no Universo, então não consegui julgar qual era sua idade. Ele vestia
uma calça azul clara e camisa de linho branca, dando a impressão de que era um
padre indo dormir de pijamas, e estava descalço.
Recuei para trás e ele avançou em minha direção.
– Calma! – ele disse.
– Quem é você? – as palavras doeram em minha garganta
e percebi que estava seca demais. Engoli seco.
– Reconheceu não? – ele sorriu e seus dentes
eram claros demais, fechei os olhos imediatamente para não ser cegado – Sou eu!
Sol, seu avô.
Sol me deu a mão para eu conseguir me levantar e
assim eu fiz, demos alguns passos em silêncio e um minuto depois ele parou e
disse sem respirar:
– É muita informação para você? Eu sabia que não
deveria ter dito à Terra para pegar pessoas tão jovens! Olha só, agora você
está travado! Não consegue nem pensar no
que vai fazer! Sabia, eu sabia disso tudo, você acredita? Mas quando nós te
escolhemos eu não sabia que você iria destruir a casa de um filho meu por
completo, você sabia disso? Se sinta honrado poucos fizeram isso! Seu pai nunca
destruiu um planeta, no máximo, ele subiu em cima de um cometa e guiou ele para
um buraco negro, só isso. Você é bem melhor!
– Calma, o que você disse?
Ele riu.
– Viu? É muita informação para tanto pouco
tempo. Peço mil desculpas. Senta aqui, vamos conversar – ele apontou para um sofá
branco (que não estava ali) e se sentou.
Sentei e me virei para ele. Ele parecia muito
jovem para alguém com bilhões de anos de idade. Ele sorria muito, porém parecia
abatido demais, imaginei o quanto de problemas que ele tinha para resolver
sobre seus filhos.
– Não temos muito tempo até que você acorde –
disse ele – O que você gostaria de saber?
– Pera! Eu estou dormindo? – perguntei.
– Essa não é a primeira pergunta que um
descendente fez para mim em milênios – e riu – Já vejo que você é especial, e sim,
você está dormindo. Eu o pus para dormir até que nossa sessão se encerre.
– Ok, o que está acontecendo com o Universo? E o
que está acontecendo com você, principalmente? Fui à Terra e locais tropicais
estão congelando. Você deveria estar lá!
Sol abaixou a cabeça e começou a balançar as
pernas, percebi que ele estava nervoso.
– Bom, eu tive de me afastar um pouco de alguns
dos meus filhos para eles perceberem que sou a fonte para eles. Terra, apesar
de tudo, esteve sempre ao meu lado, mas desobedeceu ao liberar seu nome para a
chamada da Jornada. Não era isso o combinado.
– Existe um combinado? – indaguei.
– Pior que existe. Alguém muito antigo encontrou
um astro especial e prescreveu tudo o que iria acontecer nos próximos milênios.
Tudo aconteceu e seguimos a risca esses documentos, até chegar a sua parte.
–... Minha parte... – repeti.
– É, a sua parte é codificada. Ninguém sabe ler,
ninguém soube decifrar, é uma incógnita – ele disse com tristeza – Pena que
perdemos os documentos.
– Perderam ou alguém roubou? – percebi que o tom
da voz de meu avô não tinha sido com certeza em sua última frase.
– As outras galáxias podem ser más, sabe.
– Existem outras galáxias?
Ele me deu um tapa no braço.
– Não admito você me perguntando isso – falou –
Não estamos sozinho, você sabe.
Sol olhou para seu braço como se estivesse
olhando as horas em algum relógio, porém não havia nada em seu pulso.
– Seu tempo está acabando – disse ele.
Mordi o canto da boca.
– Preciso de um resumo – pedi.
Ele sorriu marotamente.
– Geralmente eu não me intrometo na vida de
nenhum descendente, porém como você é um caso atípico, tive a curiosidade de
acompanha-lo pelo o que ocorreu nesses últimos momentos. – disse - Deimos é um
caso muito especial, houve uma falsa briga com seu irmão Phobos e Marte
resolveu escolher um dos dois para continuar orbitando. Phobos não é a pessoa
mais legal com quem você deseja sair um dia, tanto que todos os astros evitam
pisar em sua superfície e Marte achou isso mais atrativo para si mesmo, já que
tendo Phobos em sua órbita impede que os humanos interfiram diretamente em
Marte.
– Então é por isso que nenhuma sonda terrestre
detecta nada em Marte? – perguntei.
– Exato. Phobos protege de tudo. Às vezes os
humanos inventam histórias a cerca de habitantes em Marte, mas é tudo mentira.
Todos os nativos vivem próximo ao Monte Olimpo, e os humanos não conseguem nem
chegar perto. É algo legal ter uma barreira natural, mas nada convidativo. Não
aceite nenhum convite para ir para Mart de um estranho, tudo bem?
– Tudo bem – disse.
– Continuando, Deimos é um ser muito ambicioso.
Após ser chutado para fora de casa, planejou por anos e anos em conquistar a
Lua, porém Sky e Chloe já estavam habitando lá com licenças oficiais como
filhas da Terra, porém Deimos ainda continuava desejando cada vez mais poder.
Em um momento de sua vida, ele começou a se envolver com Planetas maus e Astros
piores ainda. Nunca vi um laço desse se desenvolver tão rápido como foi com
Deimos e o Imperador...
– Pera! – interrompi – Deimos não é o Imperador?
– Não, Deimos seria no caso o estagiário,
trabalhando e recrutando estrelas e astros para ele – e voltou a dizer – Deimos
sabia que em algum momento, Plutão iria ceder seus habitantes para o Imperador
colonizar alguns planetas e que Sky iria impedir isto, por ter fama de
boazinha. Sky já sabia disto também e esperou anos e anos para agir. Esperou
chegar à parte codificada, você, para agir.
– Então, por milênios Sky agiu em silêncio, pois
tudo já estava registrado e caso ela intervisse, seria pior?
– Sim, e agora que tudo virou o código
impossível de decifrar, ela e todos os seres podem agir do jeito que quiser.
Vamos dizer que você desalinhou o universo, só.
Desalinhar o Universo. Tudo o que eu sempre
quis. Tive de concordar com Sol, agora percebi que havia muita informação para
digerir.
– Podemos continuar? – perguntou – Temos pouco
tempo! Vamos lá!
– Sim – disse com desanimo já, eu estava
realmente cansado disso tudo, queria acordar em casa, depois de chegar da
escola e poder ir ao restaurante com minha mãe como planejamos.
– Sky e a Terra lançaram vários descendentes
para o Universo, sabendo que Deimos ficaria louco por informações de que estes
novos estariam fazendo, onde estariam indo e tudo mais. Todas as jornadas
tinham o mesmo intuito, informar que o descendente iria a Plutão, porém era
mentira em todas as vezes. Deimos fugia desesperadamente e encontrava o
Imperador, pedindo reforços para quando o momento acontecesse de verdade,
porque ninguém sabia o que iria acontecer devido aos códigos. Várias teorias
sobre os descendentes surgiram, e Imperador propôs uma: O que conseguisse
chegar a Plutão seria o escolhido e iria arruinar todo o plano de colonização e
deu uma missão para Deimos, esperar o descendente voltar e mata-lo.
Estremeci.
– Eu vou ser morto? – perguntei levando do sofá.
Minha cabeça foi a mil por hora. Saber sobre uma possível morte não é uma
sensação boa.
– Calma, ninguém sabe. Está codificado lembra? –
ele disse.
– Posso ficar dormindo para sempre? – perguntei
com toda a sinceridade do mundo. Não queria enfrentar nada, não queria ajudar
ninguém, já tinha muitos problemas com professores na escola, agora eu teria
problemas codificados no Universo? Prefiro dormir.
– Não, você não pode – disse Sol.
– Droga.
– Talvez você possa mudar o destino que ninguém
sabe o que está escrito – sugeriu ele.
– Deimos é a coisa que eu mais devo prestar
atenção a partir de agora né? Como um inimigo – falei.
– Não. Há coisas piores. Mas você irá conseguir
passar por tudo isso! – encorajou.
Ele esperou eu dizer algo positivo, como “quem
sabe”, porém nada saiu da minha boca.
– Enfim, Sky enviou você para mais uma missão
para ir à Plutão, porém esta era verdadeira. A mais verdadeira de todas e
infelizmente, isto ocorreu. Plutão foi devastado, Deimos e o Imperador estão
esperando você e uma estrela pode cair. – disse com toda a calma do universo.
– Como assim? A estrela velha aqui é você! Você
que é a estrela caída. Ninguém vai cair, Austin está vivo! – eu disse com
raiva, pois sei que ele se referiu a uma estrela pode cair para Austin que
tinha caído de Caronte durante o ataque, e pelo pouco que sei cair pode
significar morte também.
– Eu sou a estrela caída? – perguntou.
– Não é?
– Você acha que sim?
– Não sei.
– Você realmente não sabe de nada. Há várias
estrelas caídas, tantas que eu não consigo contar, mas vejo várias em sua vida,
pessoas que você ama e convive, estrelas caem do céu todos os dias e algumas
caíram há anos.
– Pessoas que eu amo e convivo? – indaguei
curioso.
– Infelizmente sim – falou – Você só irá
perceber quem é a estrela caída quando ela se for.
Pensei por um momento. Não havia ninguém que eu
desconfiasse, somente Austin, a única estrela que eu conhecia até agora.
Sentei novamente no sofá.
– Quanto tempo eu tenho agora? – perguntei.
– O tanto de tempo que você desejar – respondeu.
– Plutão está destruído lá fora, não está?
– Destruído pode ser um apelido. Você aniquilou
um Planeta e uma raça.
– Eu vou ser perdoado? – ponderei.
– Não há local para perdão e ódio no Universo,
Peter. Sentimentalismo é só na Terra, aqui nós temos nada. Você fez, e pronto.
Acabou.
Eu não tinha pensado que o Universo podia ser
tão frio com estes assuntos. No fundo do meu coração, eu me culpava por todas
as cenas que vi alguns minutos atrás.
Fiquei em silêncio.
– Por que você não ajuda sua própria família? –
perguntei.
Sol me fitou.
– Você realmente acha se eu ajuda-los, eles irão
entender que não é mais para fazer isso? – respondeu com outra pergunta.
Tentei responder, porém nada saiu da minha boca.
– Você já foi criança, me diga então, quantas
vezes sua mãe disse não para alguma
coisa para você e você nem ouvidos deu?
– Muitas – admiti.
– É o mesmo pensamento.
– Mas eles não são crianças mais – argumentei.
– Mas agem como.
Franzi a testa.
– Isso eu não posso negar – admiti novamente –
Falando nisso, onde está Plutão?
– Foi para Ceres, se exilar. Ele sabia que você
iria causar algo em seu lar, então deixou Brandon responsável por tudo – Sol
respondeu.
– Eles ainda estão vivos? Brandon, Chloe,
Austin?
– Isso eu não sei, muito complexo lidar com vida
e morte no Universo, muito mesmo.
– Mas eles sobreviveram? – insisti.
– Eu não sei, Peter – respondeu mudando de
posição no sofá – Eu realmente gostaria de informar, porém não sei.
Ficamos em silêncio por mais um momento.
– O que achou dos meus espelhos da verdade? –
ele interrompeu o silêncio.
– Os espelhos são seus? – perguntei.
– Sim, dei um para cada filho no meu primeiro
bilhão. Mostra tudo o que você quer saber e dependendo de onde está, tem muito
mais funções.
Lembrei-me do guarda roupa no lixão especial de
Ison. Ele mostrou o que eu queria saber e trouxe roupas novas e da sala no
Castelo que me abriu os olhos para o que estava acontecendo.
– É, tive experiências com eles.
– Acho que seu tempo já está acabando, mais alguma
coisa? – perguntou.
– Sim, sobre meu pai!
Sol abaixou o rosto novamente.
– Ele se foi meu jovem, se foi mesmo – falou com
tristeza em sua voz – Lamento.
– E como ele me ligou? – indaguei.
– Há astros que são capazes de fazer milhares de
coisas, astros diferentes, especiais. Lançam meteoros para te alertar e podem
imitar qualquer voz – ele disse jogando a resposta na minha frente.
– Lucy – sussurrei.
Ele assentiu.
Eu fui enganado.
A pior coisa era saber que eu tinha ainda uma
ponta de esperança. Mas ela se foi, se apagou como uma vela de aniversário.
– Mais alguma coisa? – perguntou mais uma vez.
– Não, acho que eu estou preparado.
– Está?
– Estou – respondi com firmeza – Muito obrigado.
Sol sorriu e colocou as mãos nos meus olhos,
fechando minhas pálpebras, dizendo calmamente palavras bem contraditórias com o
que ele estava fazendo.
– Acorde, meu herói, acorde guardião.
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