7 ✧ O ESQUECIDO
Chloe levantou e abraçou Austin enquanto eu
ajudava Haro e tirar o rosto do chão. Austin parecia mais animado, mais vivo,
acho que é melhor dizer: livre.
Apertamos as mãos e ele me entregou a pulseira.
Quando a coloquei novamente no meu pulso, percebi o quanto eu tinha me
desleixado dela, nem havia percebido que ela tinha sumido e se Austin não
tivesse achado ou pego eu teria perdido a maior arma que eu já tive algum dia.
– Caiu no ônibus – ele disse.
Olhamos incrédulos para ele. Como ele sabia que
estava no ônibus?
Porque ele estava no ônibus.
Lembrei-me das Três Marias tentando inspecionar
o ônibus, e Chloe me dizendo bruscamente “ou
você é gordo demais e conta como dois, ou estamos carregando mais viajantes.”.
Austin estava conosco o tempo todo se escondendo.
Chloe olhou para Austin com uma cara que uma mãe
preocupada olha para um filho. Austin ficou com vergonha, mas voltou a dizer
batendo em seu ombro:
– Mas estou aqui! – animava ele – Há anos que
não tenho uma jornada e além do mais, agora vocês vão precisar de mim.
– Precisar de você? – rebateu ela.
– Sim, vamos!
Andamos pelos corredores nos esgueirando pelas
paredes para não sermos vistos. Pelo visto ninguém notou cinco guardas no chão
na frente da cela dos perigosos habitantes da Lua e da Terra. Austin nos guiava
como se aquela fosse sua casa desde que era pequeno, os corredores que davam em
portas brancas Austin nem olhava, como se já soubesse o que tinha ali.
– Austin
– chamei enquanto andávamos.
– Diga, Peter.
– Como você se guia aqui tão rápido?
– É, Austin, como? – repetiu Chloe.
– Eu vigiei tudo aqui.
– E porque não nos salvou antes? – disse Haro.
– Estava esperando a hora certa. Quando o ônibus
caiu, a pulseira estava do meu lado e eu coloquei-a em desespero e vi vocês
sendo carregados pelos guardas. Pedi para qualquer nebulosa, galáxia distante
ou estrela cadente para eu poder ajudar vocês. E quando vi, eu estava
invisível.
A pulseira ajudava qualquer um no que mais
precisava, lembrei. Realmente, essa pulseira não poderia nunca cair em mãos
erradas.
– Entrei e inspecionei tudo. Todas as brigas de
Chloe com os guardas, o plano ridículo que você teve que quase matou Austin, e
fui eu que aumentei o circuito da água para você, Chloe, perceber que tinha
água circulando.
– Ah – disse Chloe sem graça.
– Sem vocês estaríamos mortos esta hora – disse
eu.
Andamos por mais uns corredores, vazios, e
saímos do local e percebi o motivo pelo qual todos estavam escondidos: era o
por do sol em Mercúrio. O sol brilhava tão fortemente que eu não conseguia
enxergar um palmo a minha frente. Tinha certeza de que alguns brasileiros
gostariam se algumas praias fossem em Mercúrio, iriam se queimar fácil (mais do
que o necessário). Minha pele queimava muito. Eu voltei para dentro.
– Tá ardendo muito – disse.
Austin, Chloe e Haro andavam normais. Eu tinha
esquecido. Eles viviam no universo, eu não.
Eles pararam de andar e olharam para trás.
Austin apontou para meu braço. A pulseira, eu havia esquecido.
Sai novamente no sol e segurei a pulseira. A
ardência veio, mas se acalmou. Meu corpo brilhava e vi várias partículas de
poeira espacial me cobrindo. Poeira espacial era a coisa mais linda que eu já
tinha visto, pequena como areia, brilhava como purpurina quando irradiava luz
e, além disso, era mágica e poderosa.
Andamos pela superfície de Mercúrio enquanto o
silêncio se estabilizava entre nós. Olhei para Austin e Chloe várias vezes e
pela expressão dela, percebi que a ideia de ter Austin por perto não era boa.
– Para onde estamos indo? – quebrei o silêncio.
– Para o ônibus – respondeu Austin.
Depois
de alguns minutos andando vi o nosso ônibus. Não sei mais se dizer ônibus se
enquadrava com as condições com que ele estava. Caiu de frente a uma rocha
enorme, do tamanho de uma pedra e amassou toda a frente, os vidros estilhaçados
e alguns rachados, e uma cratera enorme na parte traseira queimada. O meteoro.
– Precisamos achar a bolsa – disse Chloe.
E entrou no ônibus para procurar. Sentei em uma
rocha pequena e fiquei esperando. Olhei para o céu e vi várias estrelas juntas
formando desenhos ou formas geométricas, constelações.
– É bonito né? – disse Austin sentando-se ao meu
lado.
– Acho que sim – respondi.
– Acha? – ele perguntou me encarando.
– Sim, talvez estas mesmas estrelas brilhosas
não sejam o que sempre imaginei. Vimos as suas irmãs e elas eram horríveis, e
lá da Terra, só via o bonito brilho delas.
Austin assentiu.
– Às vezes a gente esquece de que há uma máscara
encobrindo tudo o que a gente conhece. Até mesmo nós mesmos.
– Verdade – concordei.
– Você não conhece nem dez por cento do universo
ainda, Peter, quando você realmente souber mais vai ficar maravilhado e horrorizado
– disse ele.
Refleti por um momento o que Austin tinha
acabado de me dizer.
– Austin, você não saiu da sua constelação
porque quis né? – perguntei.
Austin me olhou e depois virou o rosto quando
Chloe gritou:
– Achei!
Ela erguia uma bolsa, o kit de viagens que
havíamos pegado antes de sair da Base.
Ele se levantou esquecendo o que eu tinha
perguntado e foi em direção a Chloe que estava com a bolsa. Ele tropeçou e
quase caiu, mas Haro o segurou.
– Preciso levar vocês em um local aqui perto,
antes que ele mude de local – disse ele.
Austin pegou dentro da bolsa um mapa das
estrelas. Tinha todas as constelações brilhando em um papel que se desdobrando
ficava do tamanho de uma cartolina.
– Dá para voltar para lá por aqui – ele apontou
para uma sequência de estrelas.
– Não – espantou-se Chloe – Andar em coisas do
espaço não é nada legal, eu já ouvi todas as lendas quando criança.
– Não é lenda – rebateu Haro.
– Do que vocês estão falando? – disse eu.
– É sim – confirmou Chloe.
– Não é – retrucou Austin imediatamente.
– Gente! – chamei e eles ficaram em silêncio –
Do que vocês estão falando?
– Ah, ok, desculpa – disse Austin – Um
descendente de Júpiter escreveu todas as suas aventuras por esta e outras
galáxias e arquivou tudo em uma caixa com todos os relatos verdadeiros – Austin
deu ênfase e Chloe deu língua – Só algumas pessoas tiveram a chance de ler, e o
rei de Júpiter queimou tudo depois de terminar o último conto, porque havia
muita informação que ninguém poderia saber.
– Era tudo mentira Austin, por isso queimaram –
disse Chloe.
– Tudo bem, mas se algum dia você estiver presa
em um buraco negro, ou nos anéis não me chame ok? Chame os livros queimados que
são mentiras para te salvar, tudo bem? – rebateu Austin.
– Se eu fazer do meu jeito talvez eu me salve,
não vou acreditar em alguém qualquer que finge que lutou contra Andrômeda e
saiu ileso.
– Acredite no que você quiser.
– Vamos parar? – sugeri – Enfim, há outros
descendentes de outros planetas, tipo, atualmente?
– Sim, mas todos pararam de elevar seus
habitantes a esse nível, é algo muito complicado ter essa responsabilidade –
Chloe disse – A única que continua com isso é a Terra, mas acho que é
necessário. Nós mesmos às vezes não conseguimos ver um palmo a frente de nosso
olho no nosso próprio quintal então precisamos de alguém diferente.
Senti um alívio, mas também um peso nas costas.
Como ela disse isso se torna um fardo. E um fardo como este pode ser cansativo
e pesado demais às vezes.
– Para aonde estamos indo, Austin? – disse Haro.
– Vamos dar uma volta nas estrelas – respondeu
Austin.
Andamos mais um pouco até chegar a um penhasco.
O sol reluzia atrás de nós e em nossa frente o céu se expandia em estrelas.
Austin estava animadíssimo, Chloe um pouco irritada com a discussão anterior,
Haro super tranquilo, e eu morrendo por dentro.
– Peter, é só fazer isso, olha – Austin me
chamou e deu um pulo caindo em uma estrela, ele se equilibrou um pouco e
fixou-se. – É fácil, vem – E pulou em outra.
Fiquei paralisado. Não confiava em mim mesmo
para pular. Certamente iria cair.
– Vai! – encorajou Peter.
E então pulei.
A sensação de pular no espaço é diferente da
sensação de pular na Terra. Pode ser um pouco parecida com a que você tem
quando pula em um pula-pula, porém sem a parte que você volta pra superfície
elástica. Aquele frio na barriga sobe e congela todos os seus órgãos internos e
assim que você percebe que não tem chão para cair, centenas de agulhas gélidas
imaginárias perfuram sua nuca.
Quando pisei na estrela, tentei me equilibrar do
melhor jeito possível, quase cai, sim, mas me recuperei rapidamente. Austin já
estava a três estrelas em minha frente, e eu precisava pular em outra para dar
espaço para Chloe e Haro.
– Ei, sai de cima de mim? – ouvi uma voz.
Olhei para baixo e percebi que a estrela estava
falando comigo, resmungando.
– Vai logo! – choramingava ela.
– Não pisam em cima da gente desde que Júpiter
mandou aquele herdeiro nojento – resmungou outra.
Pulei e a que reclamou soltou um gemido parecido
com um cachorro.
– Sai daqui menino! – berrou ela.
Haro pulou na primeira estrela e ela deu um
grito horroroso, como se ele a tivesse matado no momento.
– Estrela jovem, você irá me pagaaarrrr!!!
Continuamos pulando de estrela em estrela, com
Austin dizendo de um em um minuto: Ignorem
elas, realmente são muito chatas. Acho que ele esqueceu que ele é uma
estrela também, mas ignoramos.
Quando chegamos a uma parte fixa de metal
flutuando no ar, ouvi uma estrela dizer:
Me sujaram de lama! e todos nós rimos, esquecendo por um momento que estávamos
sem ônibus, sem condução e sem saber para onde ir.
– Aonde exatamente estamos indo Austin? –
perguntei.
– Já chegamos! – exclamou ele – Ao lixão
espacial.
Dei mais uns passos e vi a coisa mais bizarra
que já tinha visto no universo (até agora), um grande lixão, enorme, com várias
coisas que pertenciam a Terra. Como era possível ter sofás de couro no espaço?
Um chuveiro?
Um urso de pelúcia rodopiava pelo vácuo e Chloe
o pegou. Era enorme, azul, branco e rosa. Ela ficou abraçando-o como um bebê.
Havia uma caixa enorme de brinquedos. Abri-a e
vi vários bonecos que eu costumava levar comigo para todos os locais quando era
criança. Um sentimento muito bom invadiu meu coração por completo: saudade.
Austin interrompeu meu momento nostalgia gritando:
– Trouxe vocês aqui para trocarem essas roupas,
achei umas muito boas ali – e apontou para um guarda roupa enorme de madeira – Como
eles diriam, roupas descoladas! – e Haro
e Chloe riram.
– Peter primeiro! – brandiram Chloe e Haro em
coro.
Então foi ali que Austin trocou suas roupas, e
até que era um conjunto que eu usaria: um moletom com uma piadinha sobre espaço
e aliens, jeans e tênis preto.
Austin fez sinal para eu me apressar, fui
andando até o guarda roupa e olhei para trás, esperando que eles se virassem
enquanto eu escolhia alguma coisa e me trocava. Ninguém fez um movimento.
– Vocês não vão se virar não? – resmunguei.
Os três riram.
– Entra no guarda roupa, Peter – gritou Austin.
Então entrei.
O guarda roupa era enorme por dentro, com uns
quatro metros de largura e dois de altura. Haviam várias araras com muitos
cabides com conjuntos já prontos. Não notei nenhum conjunto feminino, azar para
Chloe. Procurei em algum cabide algo que me interessasse. Nada.
Xadrez, não.
Regata, não.
Peguei um cabide que parecia ser perfeito para
mim no momento. Uma camisa preta que era coberta por um moletom azul, jeans
escuro e um tênis preto. Era isso, normal para mim e para o universo também.
Retirei a roupa e notei um espelho enorme na
minha frente, eu tinha certeza que não tinha nada disso ali quando entrei e
cada segundo mais o guarda roupa parecia se expandir. Vi minhas feições
novamente e joguei uma blusa enorme em cima dele, tentando tampar meu rosto
estranho.
Finalmente, eu estava pronto. Tudo tinha se
encaixado perfeitamente, não estava curto, nem largo, nem apertado, nem justo
demais. Estava na medida perfeita.
– Ele não está fazendo caridade não, Peter,
vamos logo! – gritou Chloe batendo na porta.
Sai do guarda roupa e dei alguns passos me
ajustando na nova roupa. Haro me informou que gostou, Chloe soltou um tanto
faz, e Austin disse que eu estava tão estiloso quando uma nebulosa raivosa.
– Eu não tenho ideia do que estou fazendo –
confessei.
E rimos.
Chloe entrou no guarda roupa e em menos de três
minutos já tinha saído. Ela estava maquiada agora, seu cabelo prateado dava o
contraste perfeito a sua nova roupa: Uma blusa preta que na parte dos ombros
era transparente, uma espécie de saia curta de couro e botas militares. Ela
usava pulseiras com pingentes de estrelas e meteoros e brincos pratas. Parecia
uma punk nata.
– Quero chutar algumas bundas de alienígenas –
disse ela fazendo cara de má.
– Você está linda – soltei involuntariamente e
percebi que Austin e Haro olharam para mim.
Tive a certeza que permanecer calado pelo resto
da jornada era a melhor opção.
– E você Haro? Entre! – encorajei.
Ele me fitou.
– Não posso, eu e Herbig estamos ligados muito
mais do que pelo pó que nos forma, se eu mudar algo sem que ele saiba, somos
desconectados e vice e versa – explicou.
Assenti. O universo era muito mais complicado do
que eu imaginava. Não disse nada, mas achei besteira isso. Austin largou sua
família, trocou de roupa e não foi desconectado de ninguém, aliás, ainda o
caçam.
– Mas e Austin... – tentei argumentar e fui
cortado por Chloe:
– Você não entende mesmo né, vamos indo.
Na nossa frente se materializava um grande carrossel
de brinquedo, com cavalos, vacas, cavalos marinhos, dragões e ursos com feições
alegres. Imaginei como alguma sonda espacial não tinha localizado aqui ainda, era
colorido demais, grande demais e a amarelo e vermelho demais.
– Não – disse Chloe.
– Nem pense – disse Haro se afastando do
carrossel.
– Merda, Austin, você só faz merda – sussurrou
Chloe.
Todos estavam voltando para trás, menos eu, que
me aproximava cada vez mais do carrossel.
– Peter! – advertiu Austin.
No meio do carrossel uma luz brilhou. Os dragões,
cavalos, vacas começaram a rodar, subindo e descendo e uma música irritante
tocando ao fundo. Mas o brilho continuava lá, e eu tive a sensação que aquilo não
era algo bom.
– Estava muito suspeito. Coisas da Terra, perto
do Sol, brinquedos, roupas e várias coisas... – disse Chloe.
– Não reclama, vamos sair sem chamar atenção,
que ninguém nos vê – murmurou Austin.
Uma voz que julguei imediatamente como antiga,
arranhada e sofrida surgiu do carrossel:
– Cheiro de terrestre.
Arrepiei.
A luz do meio do carrossel cessou, e um homem
surgiu, parecia um mendigo, estava com roupas rasgadas, barba mal feita, jeans
surrado e não usava sapatos.
Ele desviava-se dos ursos e cavalos marinhos com
facilidade, movendo-se só quando necessário. Austin segurou meu braço e passo à
passo, estávamos regressando por onde viemos.
– Não fujam! – o homem velho disse calmamente.
Demos mais um passo para trás.
– Terrestreee! – ele disse.
– Vamos, Peter! – murmurou Austin.
– Quem é ele? – perguntei num sussurro.
Austin abriu a boca porém o homem gritou:
– QUEM SOU EU? – e riu – SOU O COMETA MAIS
FALADO DOS ÚLTIMOS CEM ANOS.
Eu realmente não sabia nada sobre cometas e
seres celestes, ainda estava em fase de aprendizagem, então esperei ele se
apresentar corretamente para depois ir buscar informações em minha mente.
– Mas você nem é H – disse Chloe com deboche e o
homem se irritou e quebrou uma vaca que estava subindo alegremente.
– O QUE VOCÊ DISSE? – berrou.
– Isso mesmo que você ouviu, H é o melhor e mais
comentado – completou Austin.
O homem se irritou. Sua pele branca estava
ficando vermelha e seus cabelos tornando uma coloração diferente.
– Eu sou Ison – disse pausadamente – O cometa
mais adorado pelo planeta Terrestre, verdadeiro guardião das relíquias do
planeta na Via Láctea – e bateu a mão no peito.
– Nunca ouvi falar – confessei a Austin.
– Ele é o famoso intruso na via láctea – Chloe
começou a dizer, mas com um tom de intriga, como se quisesse que cada palavra
ferisse Ison. – Ele era de outro local, porém mantinha uma paixão secreta por
Terra, minha mãe. Mas como era muito feio e foi rejeitado, tentou raspar a
superfície terrestre, porém nós não deixamos e ele tinha ido parar dentro do
sol, se explodindo em pedaços, mas parece que ele está vivo até hoje e roubando
coisas da Terra.
Ison se irritou e se jogou pelo ar,
transformando-se em sua forma de cometa. Eu nunca tinha visto algum ser se
transmutando, havia presenciado as irmãs de Austin brigando, mas fechei os
olhos, mas agora eu vi: ele se jogou no ar, deu um grito e todo seu corpo
brilhou como pólvora e explodiu em uma luz muito branca de cegar os olhos. Em
sua frente ele era muito brilhante e sua cauda fazia um degrade azul, era muito
lindo, mas esse lindo iria matar meus amigos e eu.
Me joguei no chão junto com Austin e Ison passou
por cima de nós deixando um ar muito gelado. Não sabia que os cometas eram tão
frios assim.
Ele se jogou próximo a Chloe que estava muito
bem preparada. Sua pulseira com pingentes havia se transformado em várias
coisas. Uma adaga, um escuro em formato de estrela, e um chicote prateado.
– Não adianta querer ser estrela cadente, sendo
já um cometa decadente – ela insultou e ele partiu para cima.
Ela pulou e caiu na estrutura de metal quando
ele passou raspando por baixo dela. Chloe virou e lançou o chicote em sua direção
batendo em suas costas. Ison berrou e voltou a sua forma aceitável – a humana.
– É, vocês tem o mesmo sangue quente do que
Terra tinha, tão assanhada – disse ele coçando suas costas. Dava para perceber
que ele só queria insultar Chloe, havia achado seu ponto fraco: sua família.
– Pena que você não é Terrestre – ele voltou a
dizer – Seu cheiro me lembra terra morta. Lua.
Chloe lançou a adaga em Ison, que desviou
facilmente.
Ele riu e Chloe se irritou.
Ele se transformou novamente e Chloe tentou por
seu escudo de estrela na frente, mas ele chegou mais rápido. Chloe foi arremessada
para o carrossel voando por cima de nós.
Toquei na pulseira, imaginando algo para acabar
com Ison, mas Austin tirou minha mão antes que algo acontecesse.
– Ele é um cometa – e jogou a mão pro lado – Ninguém
aqui é páreo.
A expressão de Austin era preocupadora, como a
de um soldado que antes de ir para a guerra já sabia que iria perder.
– Temos que tentar né? – disse e toquei na
pulseira. Mas nada aconteceu.
Houve mais um brilho e vi Haro e sua forma de
estrela. Era brilhosa demais e também tremeluzia numa coloração azulada.
Haro se jogou para cima de Ison e os dois se
fundiram por um momento. As cores eram parecidíssimas, só que Haro era um pouco
menor.
Enquanto os dois brigavam e soltavam relampejos,
corri para o carrossel, peguei Chloe no colo e a tirei dali. Austin foi na
frente e gritou Aqui! para uma
banheira enorme, coloquei Chloe ali e fomos ajudar Haro.
Haro estava deitado no chão, próximo ao guarda
roupa, caído. Ison ria e apertava seu pé em sua garganta. Sai correndo e me
joguei nas costas de Ison, dando um soco em sua nuca. Ele se virou e fui junto,
rodopiei no ar e deslizei pelo chão de metal.
Austin socorreu Haro e o carregou para trás de
um sofá colorido. Ison se virou e me fitou com seus olhos queimando de ódio.
Ele viria para cima de mim.
Então ele começou a correr. Me levantei rapidamente e tentei correr mais rápido.
Estávamos indo para um lado onde o chão de metal acabava.
Parei na porta e tentei fazer o que havia
aprendido há muitos anos sendo pivô jogando handball na escola, uma finta.
Ison veio correndo e no momento exato dei dois
passos para a frente e fingi jogar meu corpo para a esquerda. O cometa se jogou
também e me abaixei passando por debaixo de seu braço colocando meu corpo e
peso para a direita. Ele caiu no chão e berrou como uma criançona.
Sai correndo subindo novamente o chão de metal e
ouvi Ison gritando.
Olhei para trás e ele estava vindo em sua forma
de cometa. Corri até o guarda roupa e entrei tropeçando.
Por dentro, tudo havia mudado. Agora as paredes
eram transparentes, e eu conseguia ver várias coisas, inclusive Vênus ao meu
lado e a Terra, meu planeta na minha frente. O planetdesea parecia tão perto.
Me lembrei de que Sky tinha dito sobre meu pai. Eu precisava sair dali e achá-lo.
Ison abriu a porta e fechou imediatamente
gritando. Fui até ela e abri só um pouco, tentando ver o que estava acontecendo.
– Cadê você Terrestre? – ele berrou.
Ele tinha visto a Terra. Seu ponto fraco.
Gritei para Haro e Austin, pedindo ajuda. Os
dois surgiram de trás de um armário de cozinha e se espantaram quando eu disse:
– Vamos rancar essa porta.
Dei um chute tão forte na porta que sua primeira
dobradiça soltou-se imediatamente. Austin deu um soco, mas nem surtiu nenhum
efeito na porta. Ison se levantou e jogou-se em cima de Haro, que caiu no chão
novamente.
Chutei a porta desejando que ela se quebrasse no
momento, mas nada acontecia.
Ison e Haro se fundiam no ar com suas formas originais
e eu estava me irritando.
– Para que você está fazendo isso? – perguntou Austin
e pulei no ar chutando a porta. A outra dobradiça se soltou e porta foi jogada
no rosto de Austin que reclamou.
– Para isso – eu disse pegando a porta e rezando
por dentro para o que eu pensei funcionasse – ISON – gritei.
Ison se virou e ergui a porta para ele ver.
Ele gritou e colocou as mãos nos olhos
novamente, largando Haro que caiu no chão. Não sei o que ele estava vendo, mas
ele caiu no chão e colocou as mãos nas têmporas e começou a berrar.
– Pare por favor!
Continuei erguendo a porta do guarda roupa. E
ele chorava. Cometas conseguiam chorar?
– Por favor, eu não aguento! – suplicou.
– Se você nos deixar ir, eu paro – disse eu.
– Eu não tenho visitantes há tanto tempo!
– Não estamos aqui para visitar ninguém, nos
deixe ir que largo a porta.
– Não!
Me aproximei de Ison, erguendo a porta em sua
frente. Ele deu um berro novamente, e algo em meu coração doeu, sentimento de
compaixão. Eu estava sentindo o que Ison sentia. Algo ruim.
Larguei a porta e ela caiu no chão. Ison colocou
seu rosto no chão e sua forma de homem estava mais surrada do que nunca. Havia arranhões
em seu rosto e hematomas em seu corpo, do mesmo jeito que em Haro.
– Terrestre ridículo – ele disse levantando-se e
transformando-se novamente em cometa e se jogando em cima de mim.
A sensação de ter um cometa te atacando não é
muito legal. Assim que senti a pele gelada de Ison me tocando, dei um berro e
tentei me defender colocando as mãos na frente, jogada errada Peter. Ele era tão
gelado que minha pele queimou e tão forte que me jogou imediatamente no chão.
– Peter! – berrou Austin.
Tentei olhar, mas minha visão estava turva. Vi
Austin carregando Haro para a banheira onde Chloe estava, já de pé.
Levantei relutando com todo o meu corpo e tentei
correr até eles. Ison corria atrás de mim em sua forma humana agora e agradeci
por ele ser um pouco lento.
– Não fuja terrestre! – berrou ele.
Cheguei a banheira e Chloe, Austin e Haro estavam
sentados. Me joguei dentro desesperadamente e cai entre as pernas de Austin,
que gritou me empurrando.
– O que vamos fazer agora? – gritei.
– Haro vai nos guiar – disse Austin.
Haro empurrou a banheira e se transformou em sua
forma de estrela flutuamos por um minuto e paramos.
E caímos no vácuo.
Ison havia pego Haro e os dois brigavam no ar
explodindo em flashes.
Em cima de nós a explosão azul clara acontecia. O
barulho que fazia era assustador, cada explosão meu ouvido doía com o estalo
que fazia.
– HARO! – gritei.
Houve mais uma explosão e Ison foi jogado longe.
Haro desceu rapidamente e pegou novamente a banheira. Estávamos voando pelo ar
sendo segurados por uma estrela.
Ison encostou novamente na banheira e fomos jogados
para a esquerda. Haro novamente nos largou e caímos novamente pelo vácuo.
A nossa frente, eu via um planeta conhecido.
Aquele mesmo que estava dentro do estranho guarda roupa no lixão de Ison, Vênus.
A chance que eu tinha de buscar meu pai estava tão
próxima, tão perto e estava passando por mim.
– Estamos voltando! – alertou Chloe.
– Olhe! – gritou Austin.
Larguei os olhos da briga entre Ison e Haro e
vi: estávamos caindo na Terra.