PRIMEIRA VEZ LENDO STARS CHRONICLES?
sim?
Eu, Austin, estrela mais poderosa do universo (cof, cof) irei te ajudar: Vá ao Arquivo, ali no canto direito, e clique primeiro em março > a, vai ser o primeiro capítulo, e assim sucessivamente, se ainda estiver perdido, há um número grande como esse aqui em baixo que mostra o número do capítulo.

domingo, 30 de março de 2014

betem seus marsupiais

7 O ESQUECIDO
Chloe levantou e abraçou Austin enquanto eu ajudava Haro e tirar o rosto do chão. Austin parecia mais animado, mais vivo, acho que é melhor dizer: livre.
Apertamos as mãos e ele me entregou a pulseira. Quando a coloquei novamente no meu pulso, percebi o quanto eu tinha me desleixado dela, nem havia percebido que ela tinha sumido e se Austin não tivesse achado ou pego eu teria perdido a maior arma que eu já tive algum dia.
– Caiu no ônibus – ele disse.
Olhamos incrédulos para ele. Como ele sabia que estava no ônibus?
Porque ele estava no ônibus.
Lembrei-me das Três Marias tentando inspecionar o ônibus, e Chloe me dizendo bruscamente “ou você é gordo demais e conta como dois, ou estamos carregando mais viajantes.”. Austin estava conosco o tempo todo se escondendo.
Chloe olhou para Austin com uma cara que uma mãe preocupada olha para um filho. Austin ficou com vergonha, mas voltou a dizer batendo em seu ombro:
– Mas estou aqui! – animava ele – Há anos que não tenho uma jornada e além do mais, agora vocês vão precisar de mim.
– Precisar de você? – rebateu ela.
– Sim, vamos!

Andamos pelos corredores nos esgueirando pelas paredes para não sermos vistos. Pelo visto ninguém notou cinco guardas no chão na frente da cela dos perigosos habitantes da Lua e da Terra. Austin nos guiava como se aquela fosse sua casa desde que era pequeno, os corredores que davam em portas brancas Austin nem olhava, como se já soubesse o que tinha ali.
 – Austin – chamei enquanto andávamos.
– Diga, Peter.
– Como você se guia aqui tão rápido?
– É, Austin, como? – repetiu Chloe.
– Eu vigiei tudo aqui.
– E porque não nos salvou antes? – disse Haro.
– Estava esperando a hora certa. Quando o ônibus caiu, a pulseira estava do meu lado e eu coloquei-a em desespero e vi vocês sendo carregados pelos guardas. Pedi para qualquer nebulosa, galáxia distante ou estrela cadente para eu poder ajudar vocês. E quando vi, eu estava invisível.
A pulseira ajudava qualquer um no que mais precisava, lembrei. Realmente, essa pulseira não poderia nunca cair em mãos erradas.
– Entrei e inspecionei tudo. Todas as brigas de Chloe com os guardas, o plano ridículo que você teve que quase matou Austin, e fui eu que aumentei o circuito da água para você, Chloe, perceber que tinha água circulando. 
– Ah – disse Chloe sem graça.
– Sem vocês estaríamos mortos esta hora – disse eu.
Andamos por mais uns corredores, vazios, e saímos do local e percebi o motivo pelo qual todos estavam escondidos: era o por do sol em Mercúrio. O sol brilhava tão fortemente que eu não conseguia enxergar um palmo a minha frente. Tinha certeza de que alguns brasileiros gostariam se algumas praias fossem em Mercúrio, iriam se queimar fácil (mais do que o necessário). Minha pele queimava muito. Eu voltei para dentro.
– Tá ardendo muito – disse.
Austin, Chloe e Haro andavam normais. Eu tinha esquecido. Eles viviam no universo, eu não.
Eles pararam de andar e olharam para trás. Austin apontou para meu braço. A pulseira, eu havia esquecido.
Sai novamente no sol e segurei a pulseira. A ardência veio, mas se acalmou. Meu corpo brilhava e vi várias partículas de poeira espacial me cobrindo. Poeira espacial era a coisa mais linda que eu já tinha visto, pequena como areia, brilhava como purpurina quando irradiava luz e, além disso, era mágica e poderosa.
Andamos pela superfície de Mercúrio enquanto o silêncio se estabilizava entre nós. Olhei para Austin e Chloe várias vezes e pela expressão dela, percebi que a ideia de ter Austin por perto não era boa.
– Para onde estamos indo? – quebrei o silêncio.
– Para o ônibus – respondeu Austin.

Depois de alguns minutos andando vi o nosso ônibus. Não sei mais se dizer ônibus se enquadrava com as condições com que ele estava. Caiu de frente a uma rocha enorme, do tamanho de uma pedra e amassou toda a frente, os vidros estilhaçados e alguns rachados, e uma cratera enorme na parte traseira queimada. O meteoro.
– Precisamos achar a bolsa – disse Chloe.
E entrou no ônibus para procurar. Sentei em uma rocha pequena e fiquei esperando. Olhei para o céu e vi várias estrelas juntas formando desenhos ou formas geométricas, constelações.
– É bonito né? – disse Austin sentando-se ao meu lado.
– Acho que sim – respondi.
– Acha? – ele perguntou me encarando.
– Sim, talvez estas mesmas estrelas brilhosas não sejam o que sempre imaginei. Vimos as suas irmãs e elas eram horríveis, e lá da Terra, só via o bonito brilho delas.
­Austin assentiu.
– Às vezes a gente esquece de que há uma máscara encobrindo tudo o que a gente conhece. Até mesmo nós mesmos.
– Verdade – concordei.
– Você não conhece nem dez por cento do universo ainda, Peter, quando você realmente souber mais vai ficar maravilhado e horrorizado – disse ele.
Refleti por um momento o que Austin tinha acabado de me dizer.
– Austin, você não saiu da sua constelação porque quis né? – perguntei.
Austin me olhou e depois virou o rosto quando Chloe gritou:
– Achei!
Ela erguia uma bolsa, o kit de viagens que havíamos pegado antes de sair da Base.
Ele se levantou esquecendo o que eu tinha perguntado e foi em direção a Chloe que estava com a bolsa. Ele tropeçou e quase caiu, mas Haro o segurou.
– Preciso levar vocês em um local aqui perto, antes que ele mude de local – disse ele.
Austin pegou dentro da bolsa um mapa das estrelas. Tinha todas as constelações brilhando em um papel que se desdobrando ficava do tamanho de uma cartolina. 
– Dá para voltar para lá por aqui – ele apontou para uma sequência de estrelas.
­ – Não – espantou-se Chloe – Andar em coisas do espaço não é nada legal, eu já ouvi todas as lendas quando criança.
– Não é lenda – rebateu Haro.
– Do que vocês estão falando? – disse eu.
– É sim – confirmou Chloe.
– Não é – retrucou Austin imediatamente.
– Gente! – chamei e eles ficaram em silêncio – Do que vocês estão falando?
– Ah, ok, desculpa – disse Austin – Um descendente de Júpiter escreveu todas as suas aventuras por esta e outras galáxias e arquivou tudo em uma caixa com todos os relatos verdadeiros – Austin deu ênfase e Chloe deu língua – Só algumas pessoas tiveram a chance de ler, e o rei de Júpiter queimou tudo depois de terminar o último conto, porque havia muita informação que ninguém poderia saber.
– Era tudo mentira Austin, por isso queimaram – disse Chloe.
– Tudo bem, mas se algum dia você estiver presa em um buraco negro, ou nos anéis não me chame ok? Chame os livros queimados que são mentiras para te salvar, tudo bem? – rebateu Austin.
– Se eu fazer do meu jeito talvez eu me salve, não vou acreditar em alguém qualquer que finge que lutou contra Andrômeda e saiu ileso.
– Acredite no que você quiser.
– Vamos parar? – sugeri – Enfim, há outros descendentes de outros planetas, tipo, atualmente?
– Sim, mas todos pararam de elevar seus habitantes a esse nível, é algo muito complicado ter essa responsabilidade – Chloe disse – A única que continua com isso é a Terra, mas acho que é necessário. Nós mesmos às vezes não conseguimos ver um palmo a frente de nosso olho no nosso próprio quintal então precisamos de alguém diferente.
Senti um alívio, mas também um peso nas costas. Como ela disse isso se torna um fardo. E um fardo como este pode ser cansativo e pesado demais às vezes.
– Para aonde estamos indo, Austin? – disse Haro.
– Vamos dar uma volta nas estrelas – respondeu Austin.

Andamos mais um pouco até chegar a um penhasco. O sol reluzia atrás de nós e em nossa frente o céu se expandia em estrelas. Austin estava animadíssimo, Chloe um pouco irritada com a discussão anterior, Haro super tranquilo, e eu morrendo por dentro.
– Peter, é só fazer isso, olha – Austin me chamou e deu um pulo caindo em uma estrela, ele se equilibrou um pouco e fixou-se. – É fácil, vem – E pulou em outra.
Fiquei paralisado. Não confiava em mim mesmo para pular. Certamente iria cair.
– Vai! – encorajou Peter.
E então pulei.
A sensação de pular no espaço é diferente da sensação de pular na Terra. Pode ser um pouco parecida com a que você tem quando pula em um pula-pula, porém sem a parte que você volta pra superfície elástica. Aquele frio na barriga sobe e congela todos os seus órgãos internos e assim que você percebe que não tem chão para cair, centenas de agulhas gélidas imaginárias perfuram sua nuca.
Quando pisei na estrela, tentei me equilibrar do melhor jeito possível, quase cai, sim, mas me recuperei rapidamente. Austin já estava a três estrelas em minha frente, e eu precisava pular em outra para dar espaço para Chloe e Haro.
– Ei, sai de cima de mim? – ouvi uma voz.
Olhei para baixo e percebi que a estrela estava falando comigo, resmungando.
– Vai logo! – choramingava ela.
– Não pisam em cima da gente desde que Júpiter mandou aquele herdeiro nojento – resmungou outra.
Pulei e a que reclamou soltou um gemido parecido com um cachorro.
­­– Sai daqui menino! – berrou ela.
Haro pulou na primeira estrela e ela deu um grito horroroso, como se ele a tivesse matado no momento.
– Estrela jovem, você irá me pagaaarrrr!!!
Continuamos pulando de estrela em estrela, com Austin dizendo de um em um minuto: Ignorem elas, realmente são muito chatas. Acho que ele esqueceu que ele é uma estrela também, mas ignoramos.
Quando chegamos a uma parte fixa de metal flutuando no ar, ouvi uma estrela dizer: Me sujaram de lama! e todos nós rimos, esquecendo por um momento que estávamos sem ônibus, sem condução e sem saber para onde ir.
– Aonde exatamente estamos indo Austin? – perguntei.
– Já chegamos! – exclamou ele – Ao lixão espacial.
Dei mais uns passos e vi a coisa mais bizarra que já tinha visto no universo (até agora), um grande lixão, enorme, com várias coisas que pertenciam a Terra. Como era possível ter sofás de couro no espaço? Um chuveiro?
Um urso de pelúcia rodopiava pelo vácuo e Chloe o pegou. Era enorme, azul, branco e rosa. Ela ficou abraçando-o como um bebê.
Havia uma caixa enorme de brinquedos. Abri-a e vi vários bonecos que eu costumava levar comigo para todos os locais quando era criança. Um sentimento muito bom invadiu meu coração por completo: saudade. Austin interrompeu meu momento nostalgia gritando:
– Trouxe vocês aqui para trocarem essas roupas, achei umas muito boas ali – e apontou para um guarda roupa enorme de madeira – Como eles diriam, roupas descoladas! – e Haro e Chloe riram.
­– Peter primeiro! – brandiram Chloe e Haro em coro.
Então foi ali que Austin trocou suas roupas, e até que era um conjunto que eu usaria: um moletom com uma piadinha sobre espaço e aliens, jeans e tênis preto.
Austin fez sinal para eu me apressar, fui andando até o guarda roupa e olhei para trás, esperando que eles se virassem enquanto eu escolhia alguma coisa e me trocava. Ninguém fez um movimento.
– Vocês não vão se virar não? – resmunguei.
Os três riram.
– Entra no guarda roupa, Peter – gritou Austin.
Então entrei.
O guarda roupa era enorme por dentro, com uns quatro metros de largura e dois de altura. Haviam várias araras com muitos cabides com conjuntos já prontos. Não notei nenhum conjunto feminino, azar para Chloe. Procurei em algum cabide algo que me interessasse. Nada.
Xadrez, não.
Regata, não.
Peguei um cabide que parecia ser perfeito para mim no momento. Uma camisa preta que era coberta por um moletom azul, jeans escuro e um tênis preto. Era isso, normal para mim e para o universo também.
Retirei a roupa e notei um espelho enorme na minha frente, eu tinha certeza que não tinha nada disso ali quando entrei e cada segundo mais o guarda roupa parecia se expandir. Vi minhas feições novamente e joguei uma blusa enorme em cima dele, tentando tampar meu rosto estranho.
Finalmente, eu estava pronto. Tudo tinha se encaixado perfeitamente, não estava curto, nem largo, nem apertado, nem justo demais. Estava na medida perfeita.
– Ele não está fazendo caridade não, Peter, vamos logo! – gritou Chloe batendo na porta.
Sai do guarda roupa e dei alguns passos me ajustando na nova roupa. Haro me informou que gostou, Chloe soltou um tanto faz, e Austin disse que eu estava tão estiloso quando uma nebulosa raivosa.
­– Eu não tenho ideia do que estou fazendo – confessei.
E rimos.

Chloe entrou no guarda roupa e em menos de três minutos já tinha saído. Ela estava maquiada agora, seu cabelo prateado dava o contraste perfeito a sua nova roupa: Uma blusa preta que na parte dos ombros era transparente, uma espécie de saia curta de couro e botas militares. Ela usava pulseiras com pingentes de estrelas e meteoros e brincos pratas. Parecia uma punk nata.
– Quero chutar algumas bundas de alienígenas – disse ela fazendo cara de má.
– Você está linda – soltei involuntariamente e percebi que Austin e Haro olharam para mim.
Tive a certeza que permanecer calado pelo resto da jornada era a melhor opção.
– E você Haro? Entre! – encorajei.
Ele me fitou.
– Não posso, eu e Herbig estamos ligados muito mais do que pelo pó que nos forma, se eu mudar algo sem que ele saiba, somos desconectados e vice e versa – explicou.
Assenti. O universo era muito mais complicado do que eu imaginava. Não disse nada, mas achei besteira isso. Austin largou sua família, trocou de roupa e não foi desconectado de ninguém, aliás, ainda o caçam.
– Mas e Austin... – tentei argumentar e fui cortado por Chloe:
– Você não entende mesmo né, vamos indo.
Na nossa frente se materializava um grande carrossel de brinquedo, com cavalos, vacas, cavalos marinhos, dragões e ursos com feições alegres. Imaginei como alguma sonda espacial não tinha localizado aqui ainda, era colorido demais, grande demais e a amarelo e vermelho demais.
– Não – disse Chloe.
– Nem pense – disse Haro se afastando do carrossel.
– Merda, Austin, você só faz merda – sussurrou Chloe.
Todos estavam voltando para trás, menos eu, que me aproximava cada vez mais do carrossel.
– Peter! – advertiu Austin.
No meio do carrossel uma luz brilhou. Os dragões, cavalos, vacas começaram a rodar, subindo e descendo e uma música irritante tocando ao fundo. Mas o brilho continuava lá, e eu tive a sensação que aquilo não era algo bom.
– Estava muito suspeito. Coisas da Terra, perto do Sol, brinquedos, roupas e várias coisas... – disse Chloe.
– Não reclama, vamos sair sem chamar atenção, que ninguém nos vê – murmurou Austin.
Uma voz que julguei imediatamente como antiga, arranhada e sofrida surgiu do carrossel:
– Cheiro de terrestre.
Arrepiei.
A luz do meio do carrossel cessou, e um homem surgiu, parecia um mendigo, estava com roupas rasgadas, barba mal feita, jeans surrado e não usava sapatos.
Ele desviava-se dos ursos e cavalos marinhos com facilidade, movendo-se só quando necessário. Austin segurou meu braço e passo à passo, estávamos regressando por onde viemos.
– Não fujam! – o homem velho disse calmamente.
Demos mais um passo para trás.
– Terrestreee! – ele disse.
– Vamos, Peter! – murmurou Austin.
– Quem é ele? – perguntei num sussurro.
Austin abriu a boca porém o homem gritou:
– QUEM SOU EU? – e riu – SOU O COMETA MAIS FALADO DOS ÚLTIMOS CEM ANOS.
Eu realmente não sabia nada sobre cometas e seres celestes, ainda estava em fase de aprendizagem, então esperei ele se apresentar corretamente para depois ir buscar informações em minha mente.
– Mas você nem é H – disse Chloe com deboche e o homem se irritou e quebrou uma vaca que estava subindo alegremente.
– O QUE VOCÊ DISSE? – berrou.
– Isso mesmo que você ouviu, H é o melhor e mais comentado – completou Austin.
O homem se irritou. Sua pele branca estava ficando vermelha e seus cabelos tornando uma coloração diferente.
– Eu sou Ison – disse pausadamente – O cometa mais adorado pelo planeta Terrestre, verdadeiro guardião das relíquias do planeta na Via Láctea – e bateu a mão no peito.
– Nunca ouvi falar – confessei a Austin.
– Ele é o famoso intruso na via láctea – Chloe começou a dizer, mas com um tom de intriga, como se quisesse que cada palavra ferisse Ison. – Ele era de outro local, porém mantinha uma paixão secreta por Terra, minha mãe. Mas como era muito feio e foi rejeitado, tentou raspar a superfície terrestre, porém nós não deixamos e ele tinha ido parar dentro do sol, se explodindo em pedaços, mas parece que ele está vivo até hoje e roubando coisas da Terra.
Ison se irritou e se jogou pelo ar, transformando-se em sua forma de cometa. Eu nunca tinha visto algum ser se transmutando, havia presenciado as irmãs de Austin brigando, mas fechei os olhos, mas agora eu vi: ele se jogou no ar, deu um grito e todo seu corpo brilhou como pólvora e explodiu em uma luz muito branca de cegar os olhos. Em sua frente ele era muito brilhante e sua cauda fazia um degrade azul, era muito lindo, mas esse lindo iria matar meus amigos e eu.
Me joguei no chão junto com Austin e Ison passou por cima de nós deixando um ar muito gelado. Não sabia que os cometas eram tão frios assim.
Ele se jogou próximo a Chloe que estava muito bem preparada. Sua pulseira com pingentes havia se transformado em várias coisas. Uma adaga, um escuro em formato de estrela, e um chicote prateado.
– Não adianta querer ser estrela cadente, sendo já um cometa decadente – ela insultou e ele partiu para cima.
Ela pulou e caiu na estrutura de metal quando ele passou raspando por baixo dela. Chloe virou e lançou o chicote em sua direção batendo em suas costas. Ison berrou e voltou a sua forma aceitável – a humana.
– É, vocês tem o mesmo sangue quente do que Terra tinha, tão assanhada – disse ele coçando suas costas. Dava para perceber que ele só queria insultar Chloe, havia achado seu ponto fraco: sua família.
– Pena que você não é Terrestre – ele voltou a dizer – Seu cheiro me lembra terra morta. Lua.
Chloe lançou a adaga em Ison, que desviou facilmente.
Ele riu e Chloe se irritou.
Ele se transformou novamente e Chloe tentou por seu escudo de estrela na frente, mas ele chegou mais rápido. Chloe foi arremessada para o carrossel voando por cima de nós.
Toquei na pulseira, imaginando algo para acabar com Ison, mas Austin tirou minha mão antes que algo acontecesse.
– Ele é um cometa – e jogou a mão pro lado – Ninguém aqui é páreo.
A expressão de Austin era preocupadora, como a de um soldado que antes de ir para a guerra já sabia que iria perder.
– Temos que tentar né? – disse e toquei na pulseira. Mas nada aconteceu.
Houve mais um brilho e vi Haro e sua forma de estrela. Era brilhosa demais e também tremeluzia numa coloração azulada.
Haro se jogou para cima de Ison e os dois se fundiram por um momento. As cores eram parecidíssimas, só que Haro era um pouco menor.
Enquanto os dois brigavam e soltavam relampejos, corri para o carrossel, peguei Chloe no colo e a tirei dali. Austin foi na frente e gritou Aqui! para uma banheira enorme, coloquei Chloe ali e fomos ajudar Haro.
Haro estava deitado no chão, próximo ao guarda roupa, caído. Ison ria e apertava seu pé em sua garganta. Sai correndo e me joguei nas costas de Ison, dando um soco em sua nuca. Ele se virou e fui junto, rodopiei no ar e deslizei pelo chão de metal.
Austin socorreu Haro e o carregou para trás de um sofá colorido. Ison se virou e me fitou com seus olhos queimando de ódio. Ele viria para cima de mim.
Então ele começou a correr.  Me levantei rapidamente e tentei correr mais rápido. Estávamos indo para um lado onde o chão de metal acabava.
Parei na porta e tentei fazer o que havia aprendido há muitos anos sendo pivô jogando handball na escola, uma finta.
Ison veio correndo e no momento exato dei dois passos para a frente e fingi jogar meu corpo para a esquerda. O cometa se jogou também e me abaixei passando por debaixo de seu braço colocando meu corpo e peso para a direita. Ele caiu no chão e berrou como uma criançona.
Sai correndo subindo novamente o chão de metal e ouvi Ison gritando.
Olhei para trás e ele estava vindo em sua forma de cometa. Corri até o guarda roupa e entrei tropeçando.
Por dentro, tudo havia mudado. Agora as paredes eram transparentes, e eu conseguia ver várias coisas, inclusive Vênus ao meu lado e a Terra, meu planeta na minha frente. O planetdesea parecia tão perto. Me lembrei de que Sky tinha dito sobre meu pai. Eu precisava sair dali e achá-lo.
Ison abriu a porta e fechou imediatamente gritando. Fui até ela e abri só um pouco, tentando ver o que estava acontecendo.
– Cadê você Terrestre? – ele berrou.
Ele tinha visto a Terra. Seu ponto fraco.
Gritei para Haro e Austin, pedindo ajuda. Os dois surgiram de trás de um armário de cozinha e se espantaram quando eu disse:
– Vamos rancar essa porta.
Dei um chute tão forte na porta que sua primeira dobradiça soltou-se imediatamente. Austin deu um soco, mas nem surtiu nenhum efeito na porta. Ison se levantou e jogou-se em cima de Haro, que caiu no chão novamente.
Chutei a porta desejando que ela se quebrasse no momento, mas nada acontecia.
Ison e Haro se fundiam no ar com suas formas originais e eu estava me irritando.
– Para que você está fazendo isso? – perguntou Austin e pulei no ar chutando a porta. A outra dobradiça se soltou e porta foi jogada no rosto de Austin que reclamou.
– Para isso – eu disse pegando a porta e rezando por dentro para o que eu pensei funcionasse – ISON – gritei.
Ison se virou e ergui a porta para ele ver.
Ele gritou e colocou as mãos nos olhos novamente, largando Haro que caiu no chão. Não sei o que ele estava vendo, mas ele caiu no chão e colocou as mãos nas têmporas e começou a berrar.
– Pare por favor!
Continuei erguendo a porta do guarda roupa. E ele chorava. Cometas conseguiam chorar?
– Por favor, eu não aguento! – suplicou.
– Se você nos deixar ir, eu paro – disse eu.
– Eu não tenho visitantes há tanto tempo!
– Não estamos aqui para visitar ninguém, nos deixe ir que largo a porta.
– Não!
Me aproximei de Ison, erguendo a porta em sua frente. Ele deu um berro novamente, e algo em meu coração doeu, sentimento de compaixão. Eu estava sentindo o que Ison sentia. Algo ruim.
Larguei a porta e ela caiu no chão. Ison colocou seu rosto no chão e sua forma de homem estava mais surrada do que nunca. Havia arranhões em seu rosto e hematomas em seu corpo, do mesmo jeito que em Haro.
– Terrestre ridículo – ele disse levantando-se e transformando-se novamente em cometa e se jogando em cima de mim.
A sensação de ter um cometa te atacando não é muito legal. Assim que senti a pele gelada de Ison me tocando, dei um berro e tentei me defender colocando as mãos na frente, jogada errada Peter. Ele era tão gelado que minha pele queimou e tão forte que me jogou imediatamente no chão.
– Peter! – berrou Austin.
Tentei olhar, mas minha visão estava turva. Vi Austin carregando Haro para a banheira onde Chloe estava, já de pé.
Levantei relutando com todo o meu corpo e tentei correr até eles. Ison corria atrás de mim em sua forma humana agora e agradeci por ele ser um pouco lento.
– Não fuja terrestre! – berrou ele.
Cheguei a banheira e Chloe, Austin e Haro estavam sentados. Me joguei dentro desesperadamente e cai entre as pernas de Austin, que gritou me empurrando.
– O que vamos fazer agora? – gritei.
– Haro vai nos guiar – disse Austin.
Haro empurrou a banheira e se transformou em sua forma de estrela flutuamos por um minuto e paramos.
E caímos no vácuo.
Ison havia pego Haro e os dois brigavam no ar explodindo em flashes.
Em cima de nós a explosão azul clara acontecia. O barulho que fazia era assustador, cada explosão meu ouvido doía com o estalo que fazia.
– HARO! – gritei.
Houve mais uma explosão e Ison foi jogado longe. Haro desceu rapidamente e pegou novamente a banheira. Estávamos voando pelo ar sendo segurados por uma estrela.
Ison encostou novamente na banheira e fomos jogados para a esquerda. Haro novamente nos largou e caímos novamente pelo vácuo.
A nossa frente, eu via um planeta conhecido. Aquele mesmo que estava dentro do estranho guarda roupa no lixão de Ison, Vênus.
A chance que eu tinha de buscar meu pai estava tão próxima, tão perto e estava passando por mim.
– Estamos voltando! – alertou Chloe.
– Olhe! – gritou Austin.

Larguei os olhos da briga entre Ison e Haro e vi: estávamos caindo na Terra.

terça-feira, 25 de março de 2014

MAMA I'M IN LOVE WITH

6 EM BRANCO
Quando eu era pequeno depois de insistir muito, minha mãe me deixava assistir televisão até mais tarde, só que eu nunca aguentava, então no meio da madrugada sentia meu pai me pegando no colo e me levando na cama. Era uma sensação boa, de segurança e de conforto. Mas não mais...
Uma mão gelada me segurava e me arrastava pelo chão. Não era nada confortável. Abri os olhos e vi Chloe e Haro andando como prisioneiros, algemas nas mãos e resmungando.
– Me soltem! – Chloe gritava – Vocês sabem quem eu sou?
– Não interessa – a voz do que me arrastava surgiu.
Olhei para ele e demorei um pouco para entender sua aparência. Ele tinha fisionomia humana, sim, mas seu nariz era tão achatado que parecia que ele não tinha. Seus olhos e cabelos não eram pratas, mas sim um azul muito escuro que brilhava lindamente. Qualquer mulher invejaria aquele cabelo liso certamente. Usava roupas azuis escuras também e em sua cintura várias armas estavam já preparadas.
Estávamos dentro do local parecido com a Base que avistei descendo para Mercúrio, mas aqui era diferente. Não precisava de tanta luz, pois a luz do sol irradiava e penetrava por dentro da construção, iluminando tudo numa coloração laranja.
Continuamos andando até chegar a uma espécie de cela. Uma sala pequena, como um quarto comum, sem nenhum objeto. Nenhuma cadeira, nenhuma cama, nenhuma pia, nada. Somente três prisioneiros.
– Cadê os reais habitantes deste planeta? – indagou Chloe ao ser jogada – Vocês não são originários daqui!
Um dos guardas riu.
– Não somos mesmo, garota da Lua – respondeu.
– Então vocês são de onde?
– Você não precisa exercitar muito a mente para saber. Iremos dominar a galáxia – o que me carregou respondeu, aproximando-se da cela e trancando a grade.
Chloe fez seu habitual olhar raivoso, levantou chutou a grade. Sem sucesso. Ela caiu no chão frustrada.
– Chloe, não vale a pena – consegui dizer. Não sei o que estava acontecendo, mas eu estava sem ar e algo estava me impedindo de fazer tudo.
Ela pareceu não escutar. Batia a mão na parede e passava a outra nos cabelos prateados. Deduzi que ela deveria sofrer de claustrofobia.
– O que está acontecendo? – perguntei.
– Eles são habitantes de Plutão, Peter – respondeu Haro – Estão invadindo todos os planetas e viemos parar na Base mais próxima do planeta deles.
Chloe respirou fundo e xingou alto.
Encostei a cabeça na parede e tentei pensar na burrada que tínhamos entrado. Agora estávamos enclausurados por Plutão, quando o propósito era voltar para a Base o mais rápido possível com a notícia “conseguimos conter Plutão” e não “fomos presos por Plutão”. Continuei respirando forte e tentando pensar em alguma coisa a se fazer, mas nada se formulava em minha mente. Quanto mais eu pensava, mais com medo eu ficava.
– O que iremos fazer? – murmurei para Haro, tentando falar o mais baixo possível para os habitantes de Plutão não escutarem.
– Não sei – respondeu sincero – Precisamos de tempo para pensar e para conhecer uma saída.
– Precisamos de tempo – repetiu Chloe.
– É – confirmei.
– Já sei! – Chloe disse – Entre na onda, Peter.
Ela se levantou e foi até a grade. Bateu no ferro e começou a chamar alguém. Olhei para Haro e nem ele estava entendendo o que Chloe estava fazendo.
– EI! VOCÊ! – berrava ela – AJUDA!
– Chloe? – disse Haro.
Um guarda aleatório, mas com as mesmas feições dos outros apareceu. Chloe bateu a mão na grade mais uma vez e pediu para ele se apressar.
– Você tá vendo ele ali? – e apontou para mim – Ele é humano. Terrestre. Uma ameaça.
Fiquei paralisado. Chloe estava louca! Eles certamente iriam me matar depois dela ter dito que eu era uma ameaça, o que nunca é interpretado direito.
– Vocês, anões, deviam estudá-lo. A única chance disso é agora – ela disse e o guarda passou a mão no queixo, avaliando o que Chloe estava tentando por em sua mente – Vocês não vão colonizar a Terra? Então! – bateu as mãos.
O guarda chamou outro no final do corredor e em uma língua totalmente estranha sibilou algo. O outro concordou.
O primeiro abriu a grade e começou a andar lentamente até mim. Parecia que eu tinha alguma doença ou que eu era muito perigoso. Olhei para Chloe e vi-a fazendo um sinal de ok. Confiei.
– Hein – ouvi Chloe perguntando para o outro – Essa construção é feita de que? Está tão próxima ao sol...
O guarda prendeu mais uma algema em meus pulsos e me levantou tocando muito pouco, lançou os braços em direção a porta e entendi rapidamente “Anda terrestre” e fui.

Andamos por vários corredores, ele mantendo uma distância de mim e eu procurando alguma saída, como Haro disse. Não parecia existir uma. Mesmo conhecendo pouco a Base, tinha certeza de que essa era mil vezes maior por dentro ou a quantidade absurda de corredores fazia parecer.
 O guarda falava de minuto em minuto com alguém que vigiava alguma porta, mas eu também não compreendia nada. Viramos à esquerda e no fim do corredor havia uma porta branca. Acho que este era meu destino. Esperava que Chloe não tivesse me dado uma passagem só de ida me chamando de ameaça.
A porta abriu e um homem baixo de feições idosas como um humano, cabelos grisalhos e vestindo um jaleco apareceu sorrindo e acenando para mim.
– Então, este é o nosso novo terrestre – disse.
Não soube o que responder, estava meio atordoado com o que iriam fazer comigo. O guarda me empurrou e fui cambaleando até a porta. O homem sorriu mais uma vez para mim e pediu para entrar.
Meus olhos doeram ao entrar na sala. Era enorme, e excessivamente branca. Tudo era branco. Até a escuridão se tornaria branca. Várias máquinas estavam empilhadas e apitando. Na parede ao meu lado várias placas de raios-X estavam fincadas mostrando ossos quebrados e algumas partes que eu jurava que não existiam no corpo humano. Uma grande bancada com um corpo humano dissecado pairava no meio da sala. Fechei os olhos por um momento e agradeci Chloe. Talvez eu fosse o próximo substituto do defunto.
– Então... você não é de falar muito? – disse o homem – Sou Dr. Reynolds e você?
Olhei para ele e abaixei os olhos fitando o chão.
– Sou Peter – disse.
– Peter – analisou o meu nome por um momento – Então, vamos fazer alguns testes?
– Testes do que? – indaguei.
– Eles desejam saber qual é o grau de complexidade entre o seu organismo e o organismo dos que habitam Plutão e os planetas anões. Talvez vocês sejam mais parecidos do que parecem.
Assenti.
– Você já deve ter percebido que todos nós parecemos como humanos aqui – ele estava certo, antes quando alguém dizia algo relacionado ao universo, a primeira coisa que surgia em minha mente eram ETs verdes – Mas saiba que tudo isso é por sua causa. Você mudou todo o universo, sim, mudou, agora todos estão atrás de você, tentando imitá-lo ou te matar.
Tentando me matar.
– Como assim todos estão dessa maneira por minha causa? – quis enrolar mesmo já sabendo da resposta, principalmente depois que a palavra matar entrou em seu vocabulário.
– Quando soubemos que o novo guardião tinha saído da sua zona de conforto, o universo todo mudou. As estrelas mudaram de posição, algumas constelações estão mais agitadas, nebulosas estão se desenvolvendo mais rápido, o tempo e espaço está mudando. Aliás, o Sol vai se afastar do sistema solar para criar uma nova chance de recriar sociedades e Plutão irá participar deste novo projeto. Você poderia ajudar, levaremos sua família e quem você desejar para Ceres, o nosso primeiro anão habitável, estamos trabalhando nisso e já levamos três famílias Plutônicas para Ceres e os resultados são bons.
Não sabia o que responder. Se assentia, se dizia não, ou se acreditava. Dr. Reynolds contou uma versão totalmente diferente do que foi dirigido a mim primeiro. Uma versão amigável do que Plutão estava fazendo.
Ouvindo essa história, qualquer um poderia acreditar que Plutão estava certo.
Qualquer um, menos eu.
– Aham – concordei com a voz alterada demonstrando falsa compreensão – Você pode fazer os testes comigo sim, estou aqui.
Dr. Reynolds sorriu mais uma vez.
Não sei se menti bem, mas nos vinte minutos seguintes Dr. Reynolds fez vários testes comigo. Corri na esteira, fui testado com eletrodos, fiz respirações em um aparelho que parecia com os dispositivos que caem nos aviões quando eles estão caindo.
Mas o pior foi quando Dr. Reynolds me enfiou em uma máquina enorme como se fosse um ônibus espacial pequeno todo branco. Era escuro lá dentro. Ele prometeu que não doeria nada, realmente não doeu, mas a cara que ele fez quando eu saí de lá me deixou claro que algo de ruim tinha acontecido. Ele me olhava incrédulo. Examinou-me mais algumas vezes, ouvindo a batida do meu coração, pediu para eu correr mais um pouco pela sala, pôs mais eletrodos na minha mente e pediu para eu pensar um pouco sobre casa, sobre a minha família e sobre a proposta que ele tinha me ofertado. Pensei em carneiros pulando a cerca e praias.
Após tudo, ele parou em frente de mim e retirou os eletrodos e tirou um celular do bolso. Lembrei-me do meu e tateei o meu bolso, ele ainda estava lá.
Ele andava impaciente, olhando algumas folhas em sua mão e levando-as para a luz tentando descobrir alguma coisa.
– Alô? – disse ele – Passe para ele, por favor.
Sentei em um banco rezando para voltar a cela vivo.
– Vossa Alteza – quando ele disse isso, enrijeci a coluna, na certeza ele estaria falando com alguém importante – Estou com um deles aqui. Pelo o que os testes apresentaram: ele não é nada diferente.
Ele hesitou enquanto a Alteza falava em seu ouvido.
– Sim, mas... – e parou.
Apoiei os braços na mesa e vi vários gráficos, mas não entendi nenhum. “Relação: Sol e Doenças”, “Incidência Solar em Ceres” eram alguns destes.
Os papéis na mesa começaram a tremer, como se estivessem sendo balançados. Tirei as mãos da mesa e ela continuava mexendo. Senti meus pés pulando, como se o chão estivesse instável. Dr. Reynolds parou por um momento e tentou adivinhar o que estava acontecendo, ainda com o telefone na mão. Um solavanco levou a sala para direita e caímos no chão. Algumas placas de raios-x caíram e de dentro delas um cheiro estranho de lâmpada queimada surgiu.
– Príncipe Brandon? – gritava o Dr. Reynolds – Alteza, você está aí? Está ocorrendo alguma coisa aqui!
Nunca havia presenciado um terremoto, mas presumi que estava ocorrendo um. Um solavanco para esquerda ocorreu e rolei até debaixo da mesa. Dr. Reynolds continuava em pé com as mãos abertas tentando se equilibrar.
Talvez era essa a chance.
Levantei e tentei não cair, andei até a porta branca e abri. O corredor estava piscando vermelho e agora os solavancos estavam mais frequentes. Eu era jogado de um lado para outro do corredor, tentando segurar e apoiando nas paredes.
Um guarda apareceu no final do corredor e gritou algo que não entendi. Sacou a arma e começou a atirar. Joguei-me no chão gritando. Todo o local foi jogado para cima e fomos lançados até o teto. Voltei e bati de cara com o chão.
Dr. Reynolds apareceu ao meu lado, tentando fugir também. Levantei e o peguei pela gola.
– O que deu nos meus resultados? – perguntei e o corredor nos balançou para a esquerda fazendo ele se virar e ficar no poder em minha frente. Eu poderia estar morto neste momento.
– Branco – ele disse.
Em branco? Mas eu era humano. Havia nascido na Terra, tinha pais terrestres e meu resultado estava em branco? Era impossível.
– Mas por quê – indaguei.
Antes que ele pudesse responder, o guarda voltou a atirar e infelizmente acertou Dr. Reynolds na cabeça. Fechei os olhos antes de a explosão ocorrer e me abaixei. Sangue e pedaços do médico voaram em minha roupa e minha pele. Abri os olhos lentamente e o vi o guarda correndo pelo corredor, desesperado.
O celular do médico caiu próximo a mim. Peguei e coloquei no ouvido, tentando lembrar com quem ele estava dizendo.
– Alô? Alteza? Brandon? – disse.
Ouvi um ruído do outro lado da linha e me coloquei de joelhos.
– Quem é? – a voz disse. Era uma voz masculina, mas pelo tom, eu não daria dezoito anos para o dono dela.
– Pedro ou Peter, você que escolhe – respondi e sofri mais um tranco e cai da posição que estava – Estamos indo aí, acabar com você – ameacei. 
– Peter, você está entendendo tudo errado – Brandon disse.
– Entendendo tudo errado? Por sua culpa estou preso no universo resolvendo seus problemas e procurando meu pai, que não duvido nada que está preso por sua causa. 
– Não venha a Plutão agora!
– O que você irá fazer? Me matar? Já que eu sou uma ameaça?
Ele suspirou.
A ligação caiu.
Continuei deitado no chão, com o local tremendo e um corpo ao meu lado.
Brandon, Vossa Alteza, ou o Príncipe tinha me irritado. Esta base era dele. Essa tropa era dele. O guarda que tentou atirar em mim e saiu correndo servia a ele. O que mais ele dominava no universo?  Tudo?
Levantei em meio à tremedeira e fui andando apoiando pela parede esquerda. Virei a primeira a esquerda e dei de cara com Haro.
– O que está acontecendo? – gritei.
– Estamos procurando uma saída – ele respondeu.
– Está tudo tremendo – disse.
Ele continuou com a expressão normal e continuou procurando alguma porta que desse a algum local. Segui-o.
– É Chloe. Ela está balançando o local – revelou – há uma pequena camada de água entre as paredes para não sofrer ação do Sol, e Chloe tem grande influência sobre as águas e marés.
– E onde ela está? – perguntei.
– Na cela, dormindo.
Continuamos correndo, mas nada de acharmos saída. Tudo parecia voltar ao mesmo local de sempre. Passamos pelo corpo do Dr. Reynolds por umas cinco vezes e concluímos que não tinha saída.
Estávamos presos para sempre.
O local parou de tremer e imediatamente Haro olhou para mim assustado.
– Ela acordou.

Corremos até a cela sem esbarrar com nenhuma tropa e vimos Chloe com uma arma na cabeça. Era o guarda que tinha me levado à sala do Dr. Reynolds.
– Acho que é melhor pedirem para ela parar – ele disse sinicamente.
Assentimos e voltamos à cela.

Agora, estávamos sendo vigiados por cinco guardas em frente a grade e dois nas duas portas que davam entrada a nosso corredor. Chloe estava proibida de mexer com as águas do local novamente. Ou iríamos todos ser mortos.
Contei para eles o que ocorreu na sala e como foi a minha conversa com Brandon, o príncipe, no telefone. Chloe socou a parede ao ouvir esse nome.
– Eu sabia que ele ia dar problema, era só uma questão de tempo – disse ela irritada.
– Brandon, aquele das leis dos satélites? – perguntou Haro, com duvida.
– Sim – respondeu Chloe.
– Precisamos sair daqui e ir a Plutão – disse eu.
– Se você arrumar uma maneira, eu vou ser a primeira a correr para fora deste local. Você não percebeu que nosso ônibus também foi destroçado não? Vamos ir como? Voando? – ela disse.
Tinha me esquecido da queda que sofremos depois de sermos atingidos pelo meteoro na via comum. O ônibus tinha sido destruído mesmo. A ficha de que estávamos realmente presos aqui ainda não tinha caído, mas eu estava certo de que iria cair no pior momento.
– Plano B – diz Haro.
Olhei para os dois e não entendi.
– O que é um plano B? – eu sabia que era um plano no qual usávamos quando o plano principal, mas se o plano A, que foi causar a tremedeira no prédio não tinha dado certo...
– Sou uma estrela quase recém-nascida, tenho uma audição de uma constelação toda e olha que elas são piores do qualquer vizinho que você já teve na Terra – respondeu Haro.
Ele fechou os olhos. Olhei para Chloe que esperava apreensiva: olhava para os guardas e para Haro, quase ao mesmo tempo.
– O que ele... – disse, mas Chloe me deu um soco pedindo silêncio.
Haro estava concentrado, levando a mão nos ouvidos massageando-os.
– O elo? – ele sibilou – muito difícil de acontecer. Vai ter de ser pelo convencimento mesmo.
Chloe olhou para mim incrédula. O elo já estava feito e o Sol estava se afastando.
– Ele não vai querer. Temos que nos livrar dele. Tenho certeza absoluta – voltou a dizer Haro que estava escutando tudo o que estava sendo falado pelos corredores e repetindo.
De quem eles estavam falando? De mim? De quem?
– O que importa é que o Imperador já possui dois dos oito planetas conquistados. Só não se sabe se ele vai invadir a Terra agora ou pulará para os laranjas em Marte.
“Mas como os resultados que o Dr. Reynolds conseguiu antes de morrer, provaram que invadir a Terra será fácil como puxar a cauda de um cometa.”
– O que vocês estão fazendo? – quis saber um guarda virando-se. Os outros quatro se viraram e viram nós, quase virados para a parede e Haro com a cabeça baixa.
– Ele está descansando – respondi.
O guarda me encarou semicerrando os olhos negros e concluiu que eu estava falando a verdade. Voltou a sua posição inicial e Chloe e eu voltamos a ouvir Haro.
–... Vênus está totalmente sim, segundo os relatos, estão 100%.
– Ei, silêncio – outro guarda gritou e os outros riram.
Haro murmurava e eu não estava nem mais ouvindo.
– Calem a boca! – gritou outro erguendo a arma.
Chloe estava se irritando novamente.
– Ouviram não?
Ele ergueu a arma e Chloe ergueu a mão.
– Quem vai arriscar primeiro? Eu ou você? – disse ela.
Ele olhou com raiva e ela rebateu com o olhar fulminante. A tensão pairava no ar e por pouco uma briga não se iniciou. Chloe podia ser muito violenta quando quisesse, eu sabia disso, mesmo conhecendo-a somente há alguns dias.
Depois da quase briga, sentamos e ficamos esperando algo de bom acontecer. Finalmente, trouxeram algo muito ruim para comermos, uma mistura parecida com uma sopa de cor cinza. Chloe não quis comer, então Haro e eu comemos uma porção e meia cada um. Não era bom, mas eu já estava sentindo falta de comer. Lembrei-me da bolsa com comida em forma de pasta de dente. Tudo tinha sido perdido.  
A noite caiu e os guardas começaram a sair de pouco a pouco, depois de quase sete horas de nós três somente deitados ou sentados fazendo nada, eles entraram em consenso que não iríamos fazer nada mais e foram dormir ou fazer outra coisa.
Chloe e Haro não tinham mais ideias. Chloe não podia chamar nenhuma prima, pois Mercúrio e Vênus não tinham Luas. Haro ainda sentia a presença de seu irmão e eu sentia sono. Encostei-me à parede e dormi.
Em meu sonho, minha mãe e eu estávamos sentados num restaurante muito bonito, não era o Vidalia e parecíamos muito felizes, rindo de absolutamente tudo.
O garçom trouxe o vinho e minha mãe ria intensamente enquanto o líquido escuro preenchia a sua taça.
Ela ria tão naturalmente que nem parecia a  Mônica que eu conhecia. Seu rosto estava simples, sem muita maquiagem. Seus olhos castanhos claros estavam em foco e seu cabelo castanho cacheado balançava conforme ela mudava de posição na cadeira. Suas joias combinavam com o vestido branco que ela vestia e seu habitual pingente com um foguete brilhava em seu pescoço.
Todos diziam que eu era muito parecido com ela. Todos mesmo. Olhei para mim no espelho. Eu estava com a expressão de cansaço, como se eu não tivesse dormido por uns bons dias. Meus cabelos estavam grandes e caiam na minha testa, algo que eu e minha mãe odiávamos, e minha bochecha estava machucada, um arranhão descia até o pescoço. Minhas roupas também não eram as melhores: um moletom azul por cima de uma blusa habitual preta, jeans surrados           e sapatos escuros. Mas tudo parecia que já tinha sido usado várias vezes, lavado e perdido a coloração original. Eu estava horrível.
– Você não ligou nem um pouco por eu ter largado você por alguns dias? – eu, no sonho, disse.
Minha mãe me olhou e riu.
– Até parece! Senti saudades, mas você estava ajudando nosso vínculo – e seus dentes brancos entraram em meu campo de visão.
– Você sabe que não será fácil, nada fácil – disse.
– Eu sei.
E ela colocou a sua mão na minha. Olhei para a mão dela e vi em sua mão a minha pulseira. A arma, a bandeira, com minha mãe.
Olhei para ela e ela deu mais uma risadinha sincera.
– Não se esqueça delas.
­– De quem? – perguntei.
– Das estrelas – ela respondeu – Porque depois que elas explodem, todos os elementos que estão aí – ela apontou para mim – Fizeram parte um dia de uma.
E acordei.

Primeira coisa que fui checar foi meu pulso. Não estava mais lá a pulseira. Será que Chloe e Haro tinham notado? Eu não tinha nem percebido. 
Quando o sol começou a surgir novamente, senti as paredes um pouco mais frias. O sistema de refrigeração entre elas tinha começado a funcionar. Olhei para Chloe e percebi que ela queria muito causar outro terremoto, mas não podia.
Minutos depois, um guarda diferente apareceu na grade e anunciou:
– Jovem terrestre, habitante da Lua e estrela recém-nascida foram condenados à morte por sentença do Imperador. Execução no mais tardar de hoje.
E se foi.
Iríamos morrer.
Chloe olhou para mim e fitou bem os meus olhos. Senti que ela queria dizer alguma coisa, mas Haro a impediu.
­– Duramos muito.
Assentimos.
– O plano era só ir até júpiter, cortar um bendito elo escondido e voltar – disse Chloe.
–E ir resgatar meu pai em Vênus – completei.
– Ah é – ela fingiu saber que isto também estava nos planos.
– Agora Caronte ficará com a Lua, Sky não terá poder mais sobre ela, e o universo mudará de acordo com o que Plutão desejar – Chloe bateu na parede, dando um soco em seguida.
– E agora morreremos aqui – eu disse.
O ruim de saber que você irá morrer é que sua vida a partir daquele momento fica muito chata. A vontade de se mover some, os pensamentos bons se transformam em pesadelos dentro de sua cabeça e dá para sentir algo pesado tentando amassar seu coração.
Não havia nenhum guarda no corredor, ninguém se importava mais conosco.
– Como eles irão nos matar? – perguntei e os dois arregalaram os olhos, depois pensaram um pouco e viram que a pergunta não era tão estúpida.
– Por mim que me matem com um tiro na cabeça – Chloe disse, sem esperanças até na voz – Simples e rápido.
– Eu não posso morrer – disse Haro e nós dois entendemos.
Se Haro morrer, Herbig irá junto também.
E iríamos salvar Herbig, para Haro não ir junto caso acontecesse algo.
Ficamos em silêncio.

Trouxeram novamente a sopa cinza, mas ninguém ousou tocar. Daqui algumas horas nenhum de nós precisaria mais de comida novamente.
– Gente, eu acho que a pulseira saiu do meu braço na queda – confessei.
“Ah, agora nem faz mais diferença” foi o que os olhares dos dois me disseram.

O sol estava indo e nós também. A água já tinha parado de circular as paredes e sabíamos que dentro de alguns minutos, nossa hora de parar de circular também chegaria.
A porta do corredor abriu e guardas entraram. Seis guardas pararam na grade da cela para nos levar para algum lugar. Levantei com muito reluto e fomos andando, dando nossos últimos passos.
As mãos novamente encontraram as algemas. Agora elas estavam frias, frias como o corpo dissecado que vi na sala do Dr. Reynolds. Frias como as estranhas do médico que caíram sobre mim. Frias como as águas que circulam pelas paredes.
O silêncio mortal foi quebrado.
– Psiu.
Virei e uma explosão branca iluminou o corredor. Cai no chão tentando tampar os olhos com as mãos atadas. Ouvi os gritos de Haro e de Chloe e de alguns soldados que levantaram atirando. Fui engatinhando até o final do corredor enquanto o barulho de tiro zapeava em cima de mim. Vi Chloe e Haro fazendo a mesma coisa.
A porta estava bem próxima, só alguns metros e estaríamos livres desse corredor. Calculei rápido uns cinco metros. Quatro. Três. Dois.
Minha respiração parou, minha pupila estabilizou e meus músculos estagnaram. A pólvora descia pelo ar lentamente e eu lembrei.
“Pó estelar, é o único resquício de ajuda em nossas missões. Ele controla o tempo e espaço”
A pulseira.
Tudo voltou em um segundo e algo parecido com a gravidade me levou a colar meu rosto ao chão.
Me virei e vi um Austin totalmente diferente, com um moletom preto escrito “space invaders”, um jeans novo e tênis novos. Seu cabelo prateado estava totalmente bagunçado e usava um óculos sem lente.

– Trouxe a bandeira para enfiarmos nos olhos dos alienígenas – ele disse.