6 ✧ EM BRANCO
Quando eu era pequeno depois de insistir muito,
minha mãe me deixava assistir televisão até mais tarde, só que eu nunca
aguentava, então no meio da madrugada sentia meu pai me pegando no colo e me
levando na cama. Era uma sensação boa, de segurança e de conforto. Mas não
mais...
Uma mão gelada me segurava e me arrastava pelo
chão. Não era nada confortável. Abri os olhos e vi Chloe e Haro andando como
prisioneiros, algemas nas mãos e resmungando.
– Me soltem! – Chloe gritava – Vocês sabem quem
eu sou?
– Não interessa – a voz do que me arrastava
surgiu.
Olhei para ele e demorei um pouco para entender
sua aparência. Ele tinha fisionomia humana, sim, mas seu nariz era tão achatado
que parecia que ele não tinha. Seus olhos e cabelos não eram pratas, mas sim um
azul muito escuro que brilhava lindamente. Qualquer mulher invejaria aquele
cabelo liso certamente. Usava roupas azuis escuras também e em sua cintura
várias armas estavam já preparadas.
Estávamos dentro do local parecido com a Base
que avistei descendo para Mercúrio, mas aqui era diferente. Não precisava de
tanta luz, pois a luz do sol irradiava e penetrava por dentro da construção,
iluminando tudo numa coloração laranja.
Continuamos andando até chegar a uma espécie de
cela. Uma sala pequena, como um quarto comum, sem nenhum objeto. Nenhuma
cadeira, nenhuma cama, nenhuma pia, nada. Somente três prisioneiros.
– Cadê os reais habitantes deste planeta? –
indagou Chloe ao ser jogada – Vocês não são originários daqui!
Um dos guardas riu.
– Não somos mesmo, garota da Lua – respondeu.
– Então vocês são de onde?
– Você não precisa exercitar muito a mente para
saber. Iremos dominar a galáxia – o que me carregou respondeu, aproximando-se
da cela e trancando a grade.
Chloe fez seu habitual olhar raivoso, levantou
chutou a grade. Sem sucesso. Ela caiu no chão frustrada.
– Chloe, não vale a pena – consegui dizer. Não
sei o que estava acontecendo, mas eu estava sem ar e algo estava me impedindo
de fazer tudo.
Ela pareceu não escutar. Batia a mão na parede e
passava a outra nos cabelos prateados. Deduzi que ela deveria sofrer de
claustrofobia.
– O que está acontecendo? – perguntei.
– Eles são habitantes de Plutão, Peter –
respondeu Haro – Estão invadindo todos os planetas e viemos parar na Base mais
próxima do planeta deles.
Chloe respirou fundo e xingou alto.
Encostei a cabeça na parede e tentei pensar na
burrada que tínhamos entrado. Agora estávamos enclausurados por Plutão, quando
o propósito era voltar para a Base o mais rápido possível com a notícia “conseguimos
conter Plutão” e não “fomos presos por Plutão”. Continuei respirando forte e
tentando pensar em alguma coisa a se fazer, mas nada se formulava em minha
mente. Quanto mais eu pensava, mais com medo eu ficava.
– O que iremos fazer? – murmurei para Haro,
tentando falar o mais baixo possível para os habitantes de Plutão não
escutarem.
– Não sei – respondeu sincero – Precisamos de
tempo para pensar e para conhecer uma saída.
– Precisamos de tempo – repetiu Chloe.
– É – confirmei.
– Já sei! – Chloe disse – Entre na onda, Peter.
Ela se levantou e foi até a grade. Bateu no
ferro e começou a chamar alguém. Olhei para Haro e nem ele estava entendendo o
que Chloe estava fazendo.
– EI! VOCÊ! – berrava ela – AJUDA!
– Chloe? – disse Haro.
Um guarda aleatório, mas com as mesmas feições
dos outros apareceu. Chloe bateu a mão na grade mais uma vez e pediu para ele
se apressar.
– Você tá vendo ele ali? – e apontou para mim –
Ele é humano. Terrestre. Uma ameaça.
Fiquei paralisado. Chloe estava louca! Eles
certamente iriam me matar depois dela ter dito que eu era uma ameaça, o que nunca é interpretado
direito.
– Vocês, anões, deviam estudá-lo. A única chance
disso é agora – ela disse e o guarda passou a mão no queixo, avaliando o que
Chloe estava tentando por em sua mente – Vocês não vão colonizar a Terra? Então!
– bateu as mãos.
O guarda chamou outro no final do corredor e em
uma língua totalmente estranha sibilou algo. O outro concordou.
O primeiro abriu a grade e começou a andar
lentamente até mim. Parecia que eu tinha alguma doença ou que eu era muito
perigoso. Olhei para Chloe e vi-a fazendo um sinal de ok. Confiei.
– Hein – ouvi Chloe perguntando para o outro –
Essa construção é feita de que? Está tão próxima ao sol...
O guarda prendeu mais uma algema em meus pulsos
e me levantou tocando muito pouco, lançou os braços em direção a porta e
entendi rapidamente “Anda terrestre” e fui.
Andamos
por vários corredores, ele mantendo uma distância de mim e eu procurando alguma
saída, como Haro disse. Não parecia existir uma. Mesmo conhecendo pouco a Base,
tinha certeza de que essa era mil vezes maior por dentro ou a quantidade
absurda de corredores fazia parecer.
O guarda
falava de minuto em minuto com alguém que vigiava alguma porta, mas eu também
não compreendia nada. Viramos à esquerda e no fim do corredor havia uma porta
branca. Acho que este era meu destino. Esperava que Chloe não tivesse me dado
uma passagem só de ida me chamando de ameaça.
A porta abriu e um homem baixo de feições idosas
como um humano, cabelos grisalhos e vestindo um jaleco apareceu sorrindo e
acenando para mim.
– Então, este é o nosso novo terrestre – disse.
Não soube o que responder, estava meio atordoado
com o que iriam fazer comigo. O guarda me empurrou e fui cambaleando até a
porta. O homem sorriu mais uma vez para mim e pediu para entrar.
Meus olhos doeram ao entrar na sala. Era enorme,
e excessivamente branca. Tudo era branco. Até a escuridão se tornaria branca.
Várias máquinas estavam empilhadas e apitando. Na parede ao meu lado várias placas
de raios-X estavam fincadas mostrando ossos quebrados e algumas partes que eu
jurava que não existiam no corpo humano. Uma grande bancada com um corpo humano
dissecado pairava no meio da sala. Fechei os olhos por um momento e agradeci
Chloe. Talvez eu fosse o próximo substituto do defunto.
– Então... você não é de falar muito? – disse o
homem – Sou Dr. Reynolds e você?
Olhei para ele e abaixei os olhos fitando o
chão.
– Sou Peter – disse.
– Peter – analisou o meu nome por um momento –
Então, vamos fazer alguns testes?
– Testes do que? – indaguei.
– Eles desejam saber qual é o grau de
complexidade entre o seu organismo e o organismo dos que habitam Plutão e os
planetas anões. Talvez vocês sejam mais parecidos do que parecem.
Assenti.
– Você já deve ter percebido que todos nós
parecemos como humanos aqui – ele estava certo, antes quando alguém dizia algo
relacionado ao universo, a primeira coisa que surgia em minha mente eram ETs
verdes – Mas saiba que tudo isso é por sua causa. Você mudou todo o universo,
sim, mudou, agora todos estão atrás de você, tentando imitá-lo ou te matar.
Tentando me
matar.
– Como assim todos estão dessa maneira por minha
causa? – quis enrolar mesmo já sabendo da resposta, principalmente depois que a
palavra matar entrou em seu vocabulário.
– Quando soubemos que o novo guardião tinha
saído da sua zona de conforto, o universo todo mudou. As estrelas mudaram de
posição, algumas constelações estão mais agitadas, nebulosas estão se
desenvolvendo mais rápido, o tempo e espaço está mudando. Aliás, o Sol vai se
afastar do sistema solar para criar uma nova chance de recriar sociedades e
Plutão irá participar deste novo projeto. Você poderia ajudar, levaremos sua
família e quem você desejar para Ceres, o nosso primeiro anão habitável, estamos
trabalhando nisso e já levamos três famílias Plutônicas para Ceres e os
resultados são bons.
Não sabia o que responder. Se assentia, se dizia
não, ou se acreditava. Dr. Reynolds contou uma versão totalmente diferente do
que foi dirigido a mim primeiro. Uma versão amigável do que Plutão estava
fazendo.
Ouvindo essa história, qualquer um poderia
acreditar que Plutão estava certo.
Qualquer um, menos eu.
– Aham – concordei com a voz alterada
demonstrando falsa compreensão – Você pode fazer os testes comigo sim, estou
aqui.
Dr. Reynolds sorriu mais uma vez.
Não sei se menti bem, mas nos vinte minutos
seguintes Dr. Reynolds fez vários testes comigo. Corri na esteira, fui testado
com eletrodos, fiz respirações em um aparelho que parecia com os dispositivos que
caem nos aviões quando eles estão caindo.
Mas o pior foi quando Dr. Reynolds me enfiou em
uma máquina enorme como se fosse um ônibus espacial pequeno todo branco. Era
escuro lá dentro. Ele prometeu que não doeria nada, realmente não doeu, mas a
cara que ele fez quando eu saí de lá me deixou claro que algo de ruim tinha
acontecido. Ele me olhava incrédulo. Examinou-me mais algumas vezes, ouvindo a
batida do meu coração, pediu para eu correr mais um pouco pela sala, pôs mais
eletrodos na minha mente e pediu para eu pensar um pouco sobre casa, sobre a
minha família e sobre a proposta que ele tinha me ofertado. Pensei em carneiros
pulando a cerca e praias.
Após tudo, ele parou em frente de mim e retirou
os eletrodos e tirou um celular do bolso. Lembrei-me do meu e tateei o meu
bolso, ele ainda estava lá.
Ele andava impaciente, olhando algumas folhas em
sua mão e levando-as para a luz tentando descobrir alguma coisa.
– Alô? – disse ele – Passe para ele, por favor.
Sentei em um banco rezando para voltar a cela
vivo.
– Vossa Alteza – quando ele disse isso, enrijeci
a coluna, na certeza ele estaria falando com alguém importante – Estou com um
deles aqui. Pelo o que os testes apresentaram: ele não é nada diferente.
Ele hesitou enquanto a Alteza falava em seu ouvido.
– Sim, mas... – e parou.
Apoiei os braços na mesa e vi vários gráficos,
mas não entendi nenhum. “Relação: Sol e Doenças”, “Incidência Solar em Ceres”
eram alguns destes.
Os papéis na mesa começaram a tremer, como se
estivessem sendo balançados. Tirei as mãos da mesa e ela continuava mexendo.
Senti meus pés pulando, como se o chão estivesse instável. Dr. Reynolds parou
por um momento e tentou adivinhar o que estava acontecendo, ainda com o
telefone na mão. Um solavanco levou a sala para direita e caímos no chão.
Algumas placas de raios-x caíram e de dentro delas um cheiro estranho de
lâmpada queimada surgiu.
– Príncipe Brandon? – gritava o Dr. Reynolds –
Alteza, você está aí? Está ocorrendo alguma coisa aqui!
Nunca havia presenciado um terremoto, mas
presumi que estava ocorrendo um. Um solavanco para esquerda ocorreu e rolei até
debaixo da mesa. Dr. Reynolds continuava em pé com as mãos abertas tentando se
equilibrar.
Talvez era essa a chance.
Levantei e tentei não cair, andei até a porta
branca e abri. O corredor estava piscando vermelho e agora os solavancos
estavam mais frequentes. Eu era jogado de um lado para outro do corredor,
tentando segurar e apoiando nas paredes.
Um guarda apareceu no final do corredor e gritou
algo que não entendi. Sacou a arma e começou a atirar. Joguei-me no chão
gritando. Todo o local foi jogado para cima e fomos lançados até o teto. Voltei
e bati de cara com o chão.
Dr. Reynolds apareceu ao meu lado, tentando
fugir também. Levantei e o peguei pela gola.
– O que deu nos meus resultados? – perguntei e o
corredor nos balançou para a esquerda fazendo ele se virar e ficar no poder em
minha frente. Eu poderia estar morto neste momento.
– Branco – ele disse.
Em branco? Mas eu era humano. Havia nascido na
Terra, tinha pais terrestres e meu resultado estava em branco? Era impossível.
– Mas por quê – indaguei.
Antes que ele pudesse responder, o guarda voltou
a atirar e infelizmente acertou Dr. Reynolds na cabeça. Fechei os olhos antes
de a explosão ocorrer e me abaixei. Sangue e pedaços do médico voaram em minha
roupa e minha pele. Abri os olhos lentamente e o vi o guarda correndo pelo
corredor, desesperado.
O celular do médico caiu próximo a mim. Peguei e
coloquei no ouvido, tentando lembrar com quem ele estava dizendo.
– Alô? Alteza? Brandon? – disse.
Ouvi um ruído do outro lado da linha e me
coloquei de joelhos.
– Quem é? – a voz disse. Era uma voz masculina,
mas pelo tom, eu não daria dezoito anos para o dono dela.
– Pedro ou Peter, você que escolhe – respondi e
sofri mais um tranco e cai da posição que estava – Estamos indo aí, acabar com
você – ameacei.
– Peter, você está entendendo tudo errado –
Brandon disse.
– Entendendo tudo errado? Por sua culpa estou
preso no universo resolvendo seus
problemas e procurando meu pai, que não duvido nada que está preso por sua causa.
– Não venha a Plutão agora!
– O que você irá fazer? Me matar? Já que eu sou
uma ameaça?
Ele suspirou.
A ligação caiu.
Continuei deitado no chão, com o local tremendo
e um corpo ao meu lado.
Brandon, Vossa Alteza, ou o Príncipe tinha me
irritado. Esta base era dele. Essa tropa era dele. O guarda que tentou atirar
em mim e saiu correndo servia a ele. O que mais ele dominava no universo? Tudo?
Levantei em meio à tremedeira e fui andando
apoiando pela parede esquerda. Virei a primeira a esquerda e dei de cara com
Haro.
– O que está acontecendo? – gritei.
– Estamos procurando uma saída – ele respondeu.
– Está tudo tremendo – disse.
Ele continuou com a expressão normal e continuou
procurando alguma porta que desse a algum local. Segui-o.
– É Chloe. Ela está balançando o local – revelou
– há uma pequena camada de água entre as paredes para não sofrer ação do Sol, e
Chloe tem grande influência sobre as águas e marés.
– E onde ela está? – perguntei.
– Na cela, dormindo.
Continuamos correndo, mas nada de acharmos
saída. Tudo parecia voltar ao mesmo local de sempre. Passamos pelo corpo do Dr.
Reynolds por umas cinco vezes e concluímos que não tinha saída.
Estávamos presos para sempre.
O local parou de tremer e imediatamente Haro
olhou para mim assustado.
– Ela acordou.
Corremos
até a cela sem esbarrar com nenhuma tropa e vimos Chloe com uma arma na cabeça.
Era o guarda que tinha me levado à sala do Dr. Reynolds.
– Acho que é melhor pedirem para ela parar – ele
disse sinicamente.
Assentimos e voltamos à cela.
Agora,
estávamos sendo vigiados por cinco guardas em frente a grade e dois nas duas
portas que davam entrada a nosso corredor. Chloe estava proibida de mexer com
as águas do local novamente. Ou iríamos todos ser mortos.
Contei para eles o que ocorreu na sala e como
foi a minha conversa com Brandon, o príncipe, no telefone. Chloe socou a parede
ao ouvir esse nome.
– Eu sabia que ele ia dar problema, era só uma
questão de tempo – disse ela irritada.
– Brandon, aquele das leis dos satélites? –
perguntou Haro, com duvida.
– Sim – respondeu Chloe.
– Precisamos sair daqui e ir a Plutão – disse
eu.
– Se você arrumar uma maneira, eu vou ser a
primeira a correr para fora deste local. Você não percebeu que nosso ônibus
também foi destroçado não? Vamos ir como? Voando? – ela disse.
Tinha me esquecido da queda que sofremos depois
de sermos atingidos pelo meteoro na via comum. O ônibus tinha sido destruído
mesmo. A ficha de que estávamos realmente presos aqui ainda não tinha caído,
mas eu estava certo de que iria cair no pior momento.
– Plano B – diz Haro.
Olhei para os dois e não entendi.
– O que é um plano B? – eu sabia que era um
plano no qual usávamos quando o plano principal, mas se o plano A, que foi
causar a tremedeira no prédio não tinha dado certo...
– Sou uma estrela quase recém-nascida, tenho uma
audição de uma constelação toda e olha que elas são piores do qualquer vizinho
que você já teve na Terra – respondeu Haro.
Ele fechou os olhos. Olhei para Chloe que esperava
apreensiva: olhava para os guardas e para Haro, quase ao mesmo tempo.
– O que ele... – disse, mas Chloe me deu um soco
pedindo silêncio.
Haro estava concentrado, levando a mão nos
ouvidos massageando-os.
– O elo? – ele sibilou – muito difícil de acontecer.
Vai ter de ser pelo convencimento mesmo.
Chloe olhou para mim incrédula. O elo já estava
feito e o Sol estava se afastando.
– Ele não vai querer. Temos que nos livrar dele.
Tenho certeza absoluta – voltou a dizer Haro que estava escutando tudo o que
estava sendo falado pelos corredores e repetindo.
De quem eles estavam falando? De mim? De quem?
– O que importa é que o Imperador já possui dois
dos oito planetas conquistados. Só não se sabe se ele vai invadir a Terra agora
ou pulará para os laranjas em Marte.
“Mas como os resultados que o Dr. Reynolds
conseguiu antes de morrer, provaram que invadir a Terra será fácil como puxar a
cauda de um cometa.”
– O que vocês estão fazendo? – quis saber um
guarda virando-se. Os outros quatro se viraram e viram nós, quase virados para
a parede e Haro com a cabeça baixa.
– Ele está descansando – respondi.
O guarda me encarou semicerrando os olhos negros
e concluiu que eu estava falando a verdade. Voltou a sua posição inicial e
Chloe e eu voltamos a ouvir Haro.
–... Vênus está totalmente sim, segundo os
relatos, estão 100%.
– Ei, silêncio – outro guarda gritou e os outros
riram.
Haro murmurava e eu não estava nem mais ouvindo.
– Calem a boca! – gritou outro erguendo a arma.
Chloe estava se irritando novamente.
– Ouviram não?
Ele ergueu a arma e Chloe ergueu a mão.
– Quem vai arriscar primeiro? Eu ou você? –
disse ela.
Ele olhou com raiva e ela rebateu com o olhar
fulminante. A tensão pairava no ar e por pouco uma briga não se iniciou. Chloe
podia ser muito violenta quando quisesse, eu sabia disso, mesmo conhecendo-a
somente há alguns dias.
Depois da quase briga, sentamos e ficamos
esperando algo de bom acontecer. Finalmente, trouxeram algo muito ruim para
comermos, uma mistura parecida com uma sopa de cor cinza. Chloe não quis comer,
então Haro e eu comemos uma porção e meia cada um. Não era bom, mas eu já
estava sentindo falta de comer. Lembrei-me da bolsa com comida em forma de
pasta de dente. Tudo tinha sido perdido.
A noite caiu e os guardas começaram a sair de pouco
a pouco, depois de quase sete horas de nós três somente deitados ou sentados
fazendo nada, eles entraram em consenso que não iríamos fazer nada mais e foram
dormir ou fazer outra coisa.
Chloe e Haro não tinham mais ideias. Chloe não
podia chamar nenhuma prima, pois Mercúrio e Vênus não tinham Luas. Haro ainda
sentia a presença de seu irmão e eu sentia sono. Encostei-me à parede e dormi.
Em meu sonho, minha mãe e eu estávamos sentados
num restaurante muito bonito, não era o Vidalia e parecíamos muito felizes,
rindo de absolutamente tudo.
O garçom trouxe o vinho e minha mãe ria
intensamente enquanto o líquido escuro preenchia a sua taça.
Ela ria tão naturalmente que nem parecia a Mônica que eu conhecia. Seu rosto estava
simples, sem muita maquiagem. Seus olhos castanhos claros estavam em foco e seu
cabelo castanho cacheado balançava conforme ela mudava de posição na cadeira.
Suas joias combinavam com o vestido branco que ela vestia e seu habitual pingente
com um foguete brilhava em seu pescoço.
Todos diziam que eu era muito parecido com ela.
Todos mesmo. Olhei para mim no espelho. Eu estava com a expressão de cansaço,
como se eu não tivesse dormido por uns bons dias. Meus cabelos estavam grandes
e caiam na minha testa, algo que eu e minha mãe odiávamos, e minha bochecha
estava machucada, um arranhão descia até o pescoço. Minhas roupas também não
eram as melhores: um moletom azul por cima de uma blusa habitual preta, jeans
surrados e sapatos escuros. Mas
tudo parecia que já tinha sido usado várias vezes, lavado e perdido a coloração
original. Eu estava horrível.
– Você não ligou nem um pouco por eu ter largado
você por alguns dias? – eu, no sonho, disse.
Minha mãe me olhou e riu.
– Até parece! Senti saudades, mas você estava
ajudando nosso vínculo – e seus dentes brancos entraram em meu campo de visão.
– Você sabe que não será fácil, nada fácil –
disse.
– Eu sei.
E ela colocou a sua mão na minha. Olhei para a
mão dela e vi em sua mão a minha pulseira. A arma, a bandeira, com minha mãe.
Olhei para ela e ela deu mais uma risadinha
sincera.
– Não se esqueça delas.
– De quem? – perguntei.
– Das estrelas – ela respondeu – Porque depois
que elas explodem, todos os elementos que estão aí – ela apontou para mim –
Fizeram parte um dia de uma.
E acordei.
Primeira
coisa que fui checar foi meu pulso. Não estava mais lá a pulseira. Será que
Chloe e Haro tinham notado? Eu não tinha nem percebido.
Quando o sol começou a surgir novamente, senti
as paredes um pouco mais frias. O sistema de refrigeração entre elas tinha começado
a funcionar. Olhei para Chloe e percebi que ela queria muito causar outro
terremoto, mas não podia.
Minutos depois, um guarda diferente apareceu na
grade e anunciou:
– Jovem terrestre, habitante da Lua e estrela
recém-nascida foram condenados à morte por sentença do Imperador. Execução no
mais tardar de hoje.
E se foi.
Iríamos morrer.
Chloe olhou para mim e fitou bem os meus olhos. Senti
que ela queria dizer alguma coisa, mas Haro a impediu.
– Duramos muito.
Assentimos.
– O plano era só ir até júpiter, cortar um
bendito elo escondido e voltar – disse Chloe.
–E ir resgatar meu pai em Vênus – completei.
– Ah é – ela fingiu saber que isto também estava
nos planos.
– Agora Caronte ficará com a Lua, Sky não terá
poder mais sobre ela, e o universo mudará de acordo com o que Plutão desejar –
Chloe bateu na parede, dando um soco em seguida.
– E agora morreremos aqui – eu disse.
O ruim de saber que você irá morrer é que sua
vida a partir daquele momento fica muito chata. A vontade de se mover some, os
pensamentos bons se transformam em pesadelos dentro de sua cabeça e dá para
sentir algo pesado tentando amassar seu coração.
Não havia nenhum guarda no corredor, ninguém se
importava mais conosco.
– Como eles irão nos matar? – perguntei e os
dois arregalaram os olhos, depois pensaram um pouco e viram que a pergunta não
era tão estúpida.
– Por mim que me matem com um tiro na cabeça –
Chloe disse, sem esperanças até na voz – Simples e rápido.
– Eu não posso morrer – disse Haro e nós dois
entendemos.
Se Haro morrer, Herbig irá junto também.
E iríamos salvar Herbig, para Haro não ir junto
caso acontecesse algo.
Ficamos em silêncio.
Trouxeram
novamente a sopa cinza, mas ninguém ousou tocar. Daqui algumas horas nenhum de
nós precisaria mais de comida novamente.
– Gente, eu acho que a pulseira saiu do meu
braço na queda – confessei.
“Ah, agora
nem faz mais diferença” foi o que os olhares dos dois me disseram.
O
sol estava indo e nós também. A água já tinha parado de circular as paredes e
sabíamos que dentro de alguns minutos, nossa hora de parar de circular também
chegaria.
A porta do corredor abriu e guardas entraram.
Seis guardas pararam na grade da cela para nos levar para algum lugar. Levantei
com muito reluto e fomos andando, dando nossos últimos passos.
As mãos novamente encontraram as algemas. Agora
elas estavam frias, frias como o corpo dissecado que vi na sala do Dr.
Reynolds. Frias como as estranhas do médico que caíram sobre mim. Frias como as
águas que circulam pelas paredes.
O silêncio mortal foi quebrado.
– Psiu.
Virei e uma explosão branca iluminou o corredor.
Cai no chão tentando tampar os olhos com as mãos atadas. Ouvi os gritos de Haro
e de Chloe e de alguns soldados que levantaram atirando. Fui engatinhando até o
final do corredor enquanto o barulho de tiro zapeava em cima de mim. Vi Chloe e
Haro fazendo a mesma coisa.
A porta estava bem próxima, só alguns metros e
estaríamos livres desse corredor. Calculei rápido uns cinco metros. Quatro.
Três. Dois.
Minha respiração parou, minha pupila estabilizou
e meus músculos estagnaram. A pólvora descia pelo ar lentamente e eu lembrei.
“Pó
estelar, é o único resquício de ajuda em nossas missões. Ele controla o tempo e
espaço”
A pulseira.
Tudo voltou em um segundo e algo parecido com a gravidade
me levou a colar meu rosto ao chão.
Me virei e vi um Austin totalmente diferente, com
um moletom preto escrito “space invaders”,
um jeans novo e tênis novos. Seu cabelo prateado estava totalmente bagunçado e usava
um óculos sem lente.
– Trouxe a bandeira para enfiarmos nos olhos dos
alienígenas – ele disse.
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